De quatro em quatro anos Portugal calça as chuteiras e enche-se de orgulho pátrio. As bandeiras de Scolari voltam às varandas e o hino da selecção sai tonitruante das emocionadas gargantas nacionais. Não, os portugueses não têm orgulho no seu país. Afinal de contas, como canta Sérgio Godinho, só neste país é que se diz “só neste país!”. E diz-se com aquele desprezo esmagador: no mundo nada deve ser tão mau como isto. Muito arrogante esta nossa interminável depressão.
Mas depois lá volta o Europeu. E só neste país é que se joga à bola assim. E só neste país se é tão grande, tão genial, capaz de tanto. E quem não vibra com a selecção está abaixo de Vasconcelos. Com o entusiasmo, até alguns imigrantes ganham direito à nacionalidade, mesmos que os outros, os que não jogam à bola e vivem neste país, nem a um papel que diga que existem tenham direito.
Talvez demasiado excitado com este patriotismo sazonal, o Presidente teve mais um lapso dos muitos que pontuam a sua carreira: julgou que no dia 10 de Junho ainda se celebrava o “dia da raça”. Numa terra de vira-latas arraçados supõe-se que o termo tenha pouco a ver com a cor da pele. Cavaco Silva usou a expressão que a sua memória sem memória política retém de outros tempos. Sem se aperceber que essa era a terminologia usada no tempo de outro professor que, sendo também economista, só presidia ao Conselho. Não deixa de ser curioso que o mesmo homem que ainda há dois meses se lamentava do escandaloso desconhecimento histórico exibido pelos jovens deixe de tal forma claro que com ele não aprenderiam muito. E como não sou mais do que os outros, sou obrigado a dar razão aos meus compatriotas. O melhor é mesmo a selecção. Quanto ao resto, a começar pelo nosso Chefe de Estado, parece tudo tão mau que só mesmo neste país!
Lucro sem risco
A greve dos camionistas não foi, na realidade, uma greve. Foi um “lock out”, proibido pela lei portuguesa. As empresas não podem fazer greve ou obrigar os seus trabalhadores a fazê-la em seu nome. No entanto, ao contrário do que acontece quando uma população bloqueia uma estrada ou quando um piquete de greve encerra uma fábrica, as autoridades foram, durante dias, de uma infinita compreensão. Nas greves de transportes públicos exigem-se serviços mínimos que correspondem à proibição da greve. Mas quando um grupo de empresários encerra estradas e obriga outras transportadoras a fazer-lhe companhia logo a linguagem se torna mais doce.
Compreendo que, tal como o resto dos portugueses, os donos das transportadoras, algumas delas empresas familiares, estejam desesperados com o preço dos combustíveis. Até compreendo que queiram custos em gasolina iguais aos dos espanhóis. Mas, quando os preços eram aproximados, estiveram disponíveis para ter as mesmas despesas com a mão-de-obra? Querem condições iguais ou apenas a parte fácil dos seus vizinhos? A ver se estes empresários percebem as regras do jogo: ou ficam com as vantagens e com as dificuldades, ou ficamos nós todos com o seu risco, mas também queremos os seus lucros. Não podem é querer ser empresas privadas quando tudo corre bem e do Estado quando a coisa dá para o torto.
Por: Daniel Oliveira