Arquivo

A criatividade e as cidades

Crónicas da Lua Vaga

Pedro Abrunhosa esteve na Guarda a semana passada para duas conferências. A primeira, sobre música e juventude, realizou-se na escola Secundária da Sé; a outra, sobre várias temáticas (política, sociedade, arte…), aconteceu no Café Concerto do Teatro Municipal da Guarda. Goste-se ou não da música ou da figura do cantor, a verdade é que Abrunhosa é dono de um discurso fluente, assertivo e pragmático, e defensor acérrimo das suas convicções. Considera que as suas opiniões são quase sempre inconvenientes e inconformadas, faceta que o torna diferente de todos os outros artistas nacionais. A dada altura da conversa, Pedro Abrunhosa confessou-se desiludido com a classe política actual, com o estado débil da democracia e com o conformismo da sociedade portuguesa perante os problemas que se avolumam a cada dia. Considera que os políticos deveriam ouvir o que têm para dizer os artistas (filósofos, músicos, escritores), visto que encontra na arte o último recurso para desvendar novas soluções para os problemas da sociedade. Defende ainda que o papel da arte deve ser o de subverter e o de inovar, de modo a alargar os horizontes culturais, ideológicos e estéticos da população, num caminho que só pode levar à criatividade.

Defender a criatividade aplicada a vários domínios da actividade humana como motor de inovação e de desenvolvimento, é algo que não é inédito, mas não deixa sempre de ser uma ideia bem vinda. O último suplemento Ípsilon do Público trazia como assunto principal uma reportagem que deveria ser lida por todos os políticos e agentes económicos de qualquer cidade do mundo: a reportagem divulgava a nova teoria da “Era da Criatividade” associada às cidades, defendida pelo investigador americano Richard Florida. Essa teoria está já disseminada nalgumas das mais evoluídas cidades do mundo. Ou seja, o que Richard Florida defende é que, hoje em dia, os critérios para aferir da qualidade e dimensão de uma cidade já não têm tanto a ver com os índices económicos, turísticos ou mesmo culturais. As cidades mais atractivas para os jovens de todo o mundo, aquelas que lideram na dinâmica social e artística, são aquelas que apresentam soluções criativas mais profícuas para a dinâmica social urbana. E não se trata apenas de dinâmica artística realizada em instituições como teatros, óperas ou centros culturais. Trata-se de uma extrapolação institucional da cultura e das artes que possa surgir e implementar-se nos diversos espaços físicos (interiores e exteriores) da própria cidade, aproveitados como pólos de desenvolvimento de agitação, de iniciativas, de ideias. Como as próprias ruas, por exemplo. Se em Lisboa existe o caso conhecido do Bairro Alto e do Chiado como pólos de atracção social e cultural, em Nova Iorque existe o Soho, em Paris o bairro Marais, em Londres o Brick Lane, em Berlim o Mitte, e por aí fora. Na reportagem são referidas ainda outras cidades nas quais a dinâmica cultural e artística representa novas formas de identidade e expressão urbana, de fruição de espaços: Glasgow, Manchester, Chicago, Estocolmo, Bilbau, Barcelona, Amesterdão. À semelhança do que acontece há uns anos nestas cidades de referência mundial, seria fundamental que os políticos portugueses olhassem para as indústrias culturais como pólos sustentáveis de desenvolvimento do espaço urbano. Ideias criativas de dinamização social e cultural atraem turismo e investimento, rejuvenescendo a vida citadina de bairros, de ruas, de zonas urbanas inteiras.

Como refere o arquitecto Tomé Alves: “Durante mais de um século aquilo que distinguia as cidades e lhe atribuía prestígio era uma orquestra sinfónica, museus, uma ópera, uma companhia de ballet. Hoje é preciso muito mais. Uma cidade fervilhante e dinâmica tem que ter espaços alternativos, ao lado de zonas e estruturas culturais de maior visibilidade.” Isto é – e citando novamente Pedro Abrunhosa – os políticos e outros responsáveis pelos destinos do país, deveriam saber injectar ideias criativas no seio da sociedade. Ideias estruturalmente transformadoras, passíveis de alterar as vivências urbanas, nas quais a qualidade de vida, os equipamentos de lazer e de cultura, sejam os motes principais de desenvolvimento. A Guarda tem um extraordinário equipamento para a fruição da cultura e das artes, o TMG, capaz de constituir uma alavanca de desenvolvimento da cidade e da região. Mas a cidade mais alta não pode deitar-se à sombra do Teatro. Precisa de incrementar outras formas estratégicas de fruição dinâmica da cidade. E sem criatividade e inovação, a cidade jamais conseguirá afirmar-se pela diferença e pela ousadia. Quem sabe se, seguindo o conselho de Abrunhosa (“os políticos deveriam ouvir os artistas”), o panorama da vivência citadina não se alteraria para melhor.

Por: Victor Afonso

Sobre o autor

Leave a Reply