No dia em que festejou 85 anos, Eduardo Lourenço ofereceu uma grande prenda à nova biblioteca da Guarda. Um total de três mil livros vão passar do espólio pessoal do ensaísta para a Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, em fase final de construção na Quinta do Alarcão, junto à Alameda de Santo André. Várias conferências, apresentações de livros e a entrega das Bolsas de 2008 do Centro de Estudos Ibéricos (CEI) marcaram a última sexta-feira.
Com este gesto, o ensaísta e filósofo, natural de São Pedro do Rio Seco, no vizinho concelho de Almeida, admitiu também que está «dizendo adeus a mim mesmo e preparando o mais confortável dos túmulos». Na sua opinião, possibilitar que estes livros – «dos meus amores, dos meus estudos e das minhas paixões literárias», confessou – possam ser lidos por outros «é como dar-lhes outra vida, uma memória futura». De resto, Eduardo Lourenço afirmou que a doação pretende ser uma maneira de «consagrar à Guarda uma função de preservar alguma coisa do menino que eu fui nesta cidade», em cujo Liceu estudou com Vergílio Ferreira. Os três mil livros doados vão constituir um fundo documental próprio – o fundo “Eduardo Lourenço” –, independente e fisicamente separado do restante espólio. Ao receber os volumes, a nova biblioteca da Guarda compromete-se a providenciar medidas especiais para a consulta e requisição.
«Um tratamento mais reservado», explicou Ana Pessanha, directora do novo espaço, para um conjunto de livros que vai valorizar o acervo da biblioteca: «As obras versam sobre áreas em cujo fundo da biblioteca não era assim tão grande, como filosofia e literatura de países sul-americanos», revela. Além dos livros, Ana Pessanha destaca as dedicatórias de muitos dos autores a Eduardo Lourenço e anotações do próprio.
Na cerimónia de entrega de parte do espólio à autarquia, o ensaísta falou na sala da Assembleia Municipal sobre o seu trajecto intelectual, a raridade dos filósofos e sobre aquilo que o motivou a dedicar-se ao ensaio enquanto género escrito do pensamento.
Eduardo Lourenço lembrou o desdém com que o seu mestre, Joaquim de Carvalho, tratava os ensaístas, “classe” a que o beirão veio a pertencer: «Nem poeta, nem filósofo: um ensaísta», disse. E, a ser filósofo, reconheceu-se «gostosamente um filósofo de província». Antes da cerimónia foi apresentado o livro “Existência e filosofia. O Ensaísmo de Eduardo Lourenço”, de João Pedroso Lima, docente na Universidade de Évora.
Eduardo Lourenço mostrou-se reconhecido por terem feito sobre si algo que ele nunca fez a ninguém: uma tese. Sobre esta obra, o ensaísta destacou o essencial, que é precisamente o essencial da sua obra: «Converter Fernando Pessoa em perplexidade sem fim, o mais ardente exercício da capacidade de imaginar o que não existe», afirmou. O dia foi também marcado pela entrega das bolsas de investigação para este ano do CEI – de que Eduardo Lourenço é director honorífico – no valor de 1.500 euros cada. Os contemplados, nas quatro categorias, foram Fernando da Fonseca, Hugo Dias, Jesús Esquirol, José Costa, Marta Silva, Rui Martins, Sónia Martins e Tiago Tadeu.
Biblioteca vai arrancar sem todos os livros
No seu discurso, Joaquim Valente lamentou o facto da autarquia não poder presentear Eduardo Lourenço com a inauguração da nova biblioteca. Uma “prenda” inviabilizada por «uma série de contratempos», justificou. «O edifício da biblioteca está concluído. Mas falta ainda na nova biblioteca o essencial: os livros», acrescentou o presidente da Câmara da Guarda, que garantiu que tudo estará pronto no próximo Dia da Cidade, a 27 de Novembro.
Ainda assim, a biblioteca será inaugurada nesse dia sem a totalidade do espólio nas prateleiras. A sua antecessora dispunha de 75 mil títulos, aos quais se juntam os três mil doados por Eduardo Lourenço e muitos outros que a nova direcção está a adquirir. O tratamento e catalogação dos livros decorre há alguns meses e Ana Pessanha, directora da nova biblioteca, diz haver ainda muito a fazer. «Vamos ter de fazer opções na ordem de catalogação. Proporcionalmente é bastante pouco o que já está feito, pois não podemos tropeçar no serviço», refere. Mas um critério está já definido: «Parte substancial dos livros vai ficar de fora, mas não é o caso dos livros doados por Eduardo Lourenço, que são prioritários», clarificou. No que diz respeito ao acervo global, Ana Pessanha adianta que estão a ser adquiridas obras em diversas áreas, como a medicina, engenharias, marketing, enfermagem ou educação física. O objectivo é cobrir «todas as áreas de interesse» dos diversos públicos, tanto para os leitores em geral, como para áreas leccionadas no Politécnico. Quanto a novidades para o novo espaço, a directora destaca «o relacionamento com o público, as actividades de animação, a digitalização de imprensa desde o século XIX e a conservação de documentos». Trabalhos que, segundo Ana Pessanha, poucas instituições do país fazem e serão feitas na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço.
Igor de Sousa Costa