Como era de esperar, já começaram as iniciativas para comemorar os 40 anos do Maio de 68. Ao longo deste mês, o jornal Público vai desenvolver uma série de eventos para marcar a efeméride. Começou com um inquérito no suplemento P2 sobre o grau de conhecimento do que foi este fenómeno. Foram inquiridos 300 estudantes universitários sobre o evento que agitou Paris e a França em 1968. Os resultados são surpreendentes: 60% dos inquiridos não sabem o que foi o Maio de 68. Mas o que espanta mais é a discrepância de conhecimentos consoante a área académica dos alunos: enquanto que 70% dos estudantes da área científica não sabem; 75% dos alunos das ciências sociais e artes, sabem. A proporção dos estudantes que ignoram e os que conhecem é claramente inversa. Como é possível haver este extremar de conhecimentos entre alunos de áreas científicas distintas? Terão os estudantes de ciências sociais e artes muito mais formação cultural geral que os de áreas científicas? Será legítimo depreender esta conclusão? Parece-me perigoso arriscar tal dedução, mas é motivo suficiente para uma reflexão mais aprofundada. Houve uma aluna que justificou a sua ignorância da seguinte forma desconcertante: “Em 68 ainda não tinha nascido, como é que querem que eu saiba?”. Isto é, para a aluna, só é suposto ter conhecimento de qualquer acontecimento ou facto que tenha ocorrido após o seu nascimento (quase que arriscaria que, tendo o 25 de Abril acontecido já depois do seu nascimento, também não saberá o que foi)! Do outro lado da barricada (ou seja, do lado dos professores), o professor e político do Bloco de Esquerda Fernando Rosas veio colocar água na fervura dizendo que têm que se “relativizar as coisas”: “se perguntassem aos alunos da minha geração o que tinha sido o regicídio, muitos também não saberiam”. Fantástica resposta que nada justifica. Pelo contrário, parece que desculpabiliza um certo embrutecimento cultural dos estudantes actuais, como quem quer dizer que não há grande importância que os universitários ignorem o que foi um dos mais marcantes acontecimentos da segunda metade do século XX. É que depois da chamada de atenção do Presidente da República para o crescente afastamento dos jovens da vida política (decorrente de uma sondagem que indicava uma indiferença e desconhecimento dos jovens sobre o 25 de Abril), custa cada vez mais assistir, passivamente, a estas manifestações de ignorância quase militante.
No Maio de 68 viveram-se todas as utopias possíveis e exigiu-se o impossível com vista a alcançar um mundo melhor, mais justo, liberto de amarras sociais e estereótipos culturais. O rasto de violência e destruição provocado por estudantes e trabalhadores alvoroçou politicamente as cúpulas do poder, ao ponto da Universidade de Sorbonne ter sido encerrada compulsivamente e do Ministro da Educação ter pedido a demissão. Os factores que motivaram a agitação social, política e cultural do Maio de 68 continuam, na actualidade, a repercutir-se no subconsciente de muita gente, a inspirar argumentações sociológicas e posicionamentos de propaganda política. Mas a verdade é que a irreverência de outros tempos que se julgava capaz de concretizar a utopia almejada, acabou por institucionalizar-se: o principal líder e figura de proa do movimento, Daniel Cohn-Bendit está agora instalado no Parlamento de Bruxelas como deputado europeu pelo Partido dos Verdes (e até editou um livro com o sugestivo título “Forget 68”). E tal como em Portugal se continuam a ouvir queixumes de que os princípios que levaram ao 25 de Abril ainda estão por cumprir, por terras de Sarkozy reproduzem-se ecos de nova vaga de agitação social (como aconteceu há dois anos devido a conflitos raciais).
Entretanto, 40 anos depois do Maio de 68, por cá os estudantes vivem entretidos com as suas semanas académicas que exalam bafio e frivolidade por todos os poros (e não é só devido à vitalícia presença de Quim Barreiros no programa das festas). Por todo o país, estudantes de Universidades e Politécnicos celebram uma moribunda e caduca tradição académica, onde os conceitos de originalidade e inovação são proibidos. O ideal de tradição, por mais anacrónico e desfasado da realidade actual, é para manter a todo o custo. A verdade demonstrada é que a ausência de consciência política e cívica, aliada a uma frágil formação cultural geral, tornou a maioria dos universitários de hoje muito menos reivindicativos e muito mais indiferentes face aos problemas históricos, sociais e culturais. Do país e do mundo.
Por: Victor Afonso