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Pouca Terra

No Dia da Terra, 22 de Abril, o diário “Público” apresentava as contas da pegada ecológica de Portugal. As conclusões são tristes: para sustentar o nosso actual nível de consumo, precisávamos de um país com 2,7 vezes mais recursos naturais do que este; se o mundo inteiro gastasse como nós, então seriam necessários 2,4 planetas do tamanho da Terra. É claro que as contas seriam muito piores se os critérios de consumo fossem os americanos, mas, para o que por ora conta, já é suficientemente mau sermos portugueses.

O conceito para se chegar a estes números não é novo. Já se tinha concluído há muito que a humanidade consome mais recursos naturais do que aqueles que a natureza consegue, se consegue, repor. Sabe-se, por exemplo, que a nossa conta-corrente com o planeta se tornou deficitária bem no início dos anos 70 do século XX. A culpa desse défice, já agora, recai em boa parte sobre o primeiro mundo, que se os países menos desenvolvidos tivessem o mesmo nível de consumo, ou sequer aproximado, já a nossa civilização tinha entrado em colapso. Para dar uma pálida ideia, basta considerar o seguinte: se na China e na Índia (já para não falar na África negra) se consumisse tanto papel higiénico como na Europa, já não haveria árvores à face da Terra.

É aqui que a questão se começa a tornar política. Para podermos manter o nosso actual nível de vida, precisamos que os outros continuem pobres. Se os Chineses começarem a gastar tanto em combustíveis fósseis como os europeus, e nem falemos dos norte-americanos, todos os esforços para reduzir o aquecimento global serão inúteis. É claro, entretanto, que é imoral pedir aos outros que não gastem para podermos nós gastar mais. O problema é que, pelo menos aos Chineses, Indianos e Brasileiros, com economias a crescer a um ritmo que nós não podemos acompanhar, nem vale a pena pedir. Vão consumir, cada vez mais e, se puderem, vão consumir ainda mais do que nós. Uma das consequências tem sido a alta do preço dos cereais, com aumento dos preços a nível global e revolta de multidões famintas no Bangladesh e em vários países Africanos.

As ajudas em géneros ao terceiro mundo, sobretudo as do Banco Alimentar contra a Fome, têm tido, por sua vez, efeitos perversos. Não é só a questão da corrupção, e do desvio das ofertas ocidentais para o mercado negro e para políticos desonestos, mas é também a ruína dos comerciantes e agricultores locais, que não conseguem vender os seus produtos quando o Banco Alimentar concorre (deslealmente) com eles – oferecendo-os. Para além dessa concorrência, ainda têm a dos agricultores europeus e americanos (e também japoneses), beneficiários de generosos subsídios, que colocam no mercado os seus produtos a preços muitas vezes inferiores ao do custo de produção.

Por tudo isto, começa a dizer-se que temos de nos habituar ao novo mundo que aí vem e começar a agir em conformidade: consumir menos; deixar de financiar os nossos agricultores, agora que os preços dos produtos agrícolas subiram; começar a olhar com outros olhos para os milhões de hectares de terrenos agrícolas abandonados. Por exemplo em Portugal e no distrito da Guarda.

Por: António Ferreira

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