Considero sempre muito relevantes todas as iniciativas de monitorização do estado dos sistemas informativos. Afinal, a informação é o alimento da cidadania activa. E, vista a evolução tendencial dos sistemas informativos, progressivamente tabloidizados, a analítica torna-se cada vez mais necessária. Tanto mais que se trata de um espaço onde a liberdade se joga de forma decisiva e onde se constrói ou destrói o consenso para o poder. Mas trata-se também de uma esfera onde a regulação é extremamente difícil, sendo sempre mais desejável a promoção da auto-regulação do que a regulação através de instrumentos legais impositivos. Por outro lado, a informação, sendo um bem público, mas ao mesmo tempo um produto mercantil, sofre os efeitos de um poderoso espartilho que gera um «hibridismo» informativo pouco desejável. Ou seja, a informação sofre de um paradoxo parecido com o daquele «serviço público» que, de tão asséptico ser, não consegue atrair público. O «hibridismo» informativo, pelo contrário, de tanto público querer acaba por não conseguir produzir verdadeira informação. Na tensão interna do «hibridismo» informativo, a dimensão que acaba por se impor é a do tabloidismo, do sensacionalismo, do «interesse humano», do «negativo». O mundo tende sempre a ser visto na óptica do «negativo». Porque é cognitivamente mais fácil e imediata e emocionalmente mais forte. Logo, capaz de atrair mais espectadores, leitores, consumidores. Recentemente, o maior diário português, o «CM», ao noticiar a nova organização judiciária, que prevê a transformação das 231 comarcas em apenas 39 circunscrições judiciais, fez a seguinte manchete: «192 vilas e cidades perdem comarcas». Trata-se, como é evidente, de uma opção noticiosa que valoriza o lado negativo da notícia, em detrimento do positivo (racionalização, flexibilidade e maior responsabilização na gestão do sistema). Por sua vez, o «Jornal de Negócios», numa coluna onde hierarquizava (do mais baixo ao mais alto) o IVA em 25 países da UE, colocava Portugal em 19.º lugar, optando por pô-lo no fim de uma lista de 5 países com a mesma taxa de IVA de 20%. Se o pusesse no início da lista – e a legitimidade era a mesma – Portugal ficaria colocado em 15.º lugar. Também aqui, a opção foi pelo negativo. Esta opção pelo negativo tem raízes históricas e confunde-se com as próprias origens da informação política e social, sobretudo a partir do século XVIII. Só que se tratava de uma crítica negativa dos poderes ocultos («arcana imperii») e da ausência de liberdade de informação. Pelo contrário, hoje, a «ideologia do negativo» tem mais a ver com a interacção produtor/consumidor do que com a promoção das funções de cidadania. A categoria do «negativo» é a categoria mais transversal do tabloidismo porque atravessa todos os géneros informativos, da política à economia, ao «interesse humano». Trata-se, cada vez mais, de uma luta pelas audiências e da «sobredeterminação» dos critérios informativos pelo princípio mercantil. Uma simples consulta aos números das vendas dos jornais e das revistas portuguesas dar-nos-á uma visão clara do que estou a dizer.
É por tudo isto que considero não ser muito relevante proceder – como fez recentemente a ERC num estudo sobre o pluralismo político-partidário na RTP – a contagens de tempos de uso de antena por parte deste ou daquele agente político ou social sem assumir como decisivos os critérios de uma informação que contribua para a promoção das verdadeiras funções de cidadania. Por exemplo, o critério da «relevância» pública da notícia. Porque este é um critério decisivo do ponto de vista substancial (relevo público), formal (princípio central do código ético) e processual (meio de selecção das notícias). E porque, além disso, é um critério interno ao próprio sistema operativo da informação. Ora a procura da proporcionalidade entre a consistência eleitoral e a exposição noticiosa surge também como sobreposição ilegítima de um critério externo aos critérios próprios do sistema informativo. Por isso, é minha convicção que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social deveria repensar o modelo de análise da informação política, recolocando-se na óptica legítima dos grandes princípios que integram o património genético da informação para a cidadania. Tão ilegítima é a «sobredeterminação» mercantil quanto a «sobredeterminação» política da informação.
Por: João de Almeida Santos