(…) Nós, não herdamos a terra dos nossos avós…pedimo-la emprestada aos nossos filhos! (…) Ditado índio.
O ditado poderá suscitar as mais diversas interpretações, e uma delas, por incrível que pareça, bem actual, poderá ser a que aponta para a responsabilização colectiva, na utilização do território, natural ou humanizado, sobretudo nessa ponte, de contornos tão indefinidos e ténues, para as gerações futuras. O que fazemos, ou deixamos de fazer…e agrada-me a expressão emprestada, porque responsabiliza muito mais, deixou, deixa e deixará marcas, pegadas, que poderão ser enormes, na utilização do empréstimo e, determinarão as formas de utilização futuras.
A Guarda, cidade, foi até à década de 70 do séc. passado, um território de contornos definidos, contida e atenta ao seu património edificado. A partir do momento em que ela sai para fora dos seus limites, sob pressões de variadíssima ordem, a cidade perde o controlo, volta-se para as grandes zonas de expansão e lucro privado, constrói-se com base em premissas erradas, onde o planeamento está tantas vezes ausente, esquece-se a cidade consolidada, a cidade que se foi fazendo lentamente, eventualmente, também não planeada, mas fundada em saber colectivo, resultando daqui conflitos de vária ordem, que hoje se percebe, a cidade tem dificuldade em resolver. Entre eles, a manutenção dos espaços gerados, sendo que na maioria dos casos a execução técnica não foi rigorosa e noutras circunstâncias, vias que se pensava iriam responder a pouco tráfego, têm hoje uma carga significativa, conduzindo à sua deterioração. A Câmara Municipal deu um sinal de atenção e contenção, com a candidatura ao QREN, da reabilitação de parte das ruas e passeios da cidade, ao invés do que numa primeira fase, tinha sido prática, com a candidatura à construção de mais e mais equipamentos, novos, alguns quase se duplicando, muitos de necessidade duvidosa e na maioria dos casos sem uma real avaliação de custos de manutenção, esquecendo que, quase sempre, estes custos são superiores aos de construção.
Outro sinal, vem dum abaixo assinado, que corre na Internet, apelando para que seja considerado de interesse municipal, o que resta dum edifício situado na rua Batalha Reis, da autoria do arquitecto Raul Lino (1879-1974), que, numa visão tradicional e romântica mais procurou sistematizar e caracterizar a “casa Portuguesa”. Poderão colocar-se algumas duvidas sobre o que se vai recuperar, ou como, dado o estado de degradação, mas, a atitude merece todo o apoio, demonstra que as pessoas estão atentas, ao que está edificado e não só ao que se está a edificar e, estou em crer, que este facto poderá dinamizar a consciência colectiva para o que se passa com outros edifícios ou conjuntos edificados, emblemáticos na cidade, e desde algum tempo desocupados, sub ocupados e votados ao abandono, por inexistência de manutenção física.
Sinal contrário, vem, em minha opinião, da forma como o Centro Comercial Vivaci, violentou a escala, o local, as relações com a muralha e a envolvente, o acesso forçado no topo da Almirante Gago Coutinho. Partilho a ideia que a Guarda deverá ter o seu CC, mas, e mesmo admitindo que o Centro Histórico, poderá vir a ganhar algum dinamismo, com a existência deste equipamento, preocupa-me deixar de ver a muralha, passar entalado entre esta e o edifício, a inexistência de percurso pedonal no troço entre a Misericórdia (centro da cidade) e o edifício e ainda, se houver outro CC, como tudo parece apontar, o que vai acontecer a ambas as massas edificadas, se deixar de haver mercado, ou a moda passar…
Raul Lino refere num dos muitos textos (…) a grande luta do arquitecto, a sua tarefa mais difícil e importante, não é vencer problemas técnicos ou económicos; é transformar a massa inerte da construção em obra orgânica, com aspecto de coisa viva. O mais difícil nesta arte é o proporcionar (…)
Tive durante esta semana a experiência, dolorosa, de ver partir uma pessoa que estimava muito. Em simultâneo percebi o que é morrer, transmitindo uma calma enorme, resultado, não duvido, da clara sensação do dever cumprido. Pessoa culta, ponderada, lúcida, simples, prestável, que deu muito de si, em Cabo Verde, e posteriormente, no hospital Egas Moniz, em Lisboa. No mesmo hospital onde viria a falecer, sem reclamar, sem exigir.
Obrigado Dr. Cabral, pela mãe que deu aos meus filhos e, pelos valores que sempre lhes transmitiu. Descanse em Paz!
Por: Aires Almeida