É difícil haver inundações na cidade da Guarda. Por mais erros urbanísticos que se tenham cometido, a construção em leitos de rios ou de cheias não é um dos pecados. Dirão que o mérito é mais da nossa orografia do que dos cuidados urbanísticos, mas podemos apostar sem grande risco que não teremos metro e meio de água no centro da cidade.
Por isso, enquanto nas zonas tradicionais de cheias há queixas pela construção em zonas inadequadas, ou pela excessiva impermeabilização dos solos, por aqui repara-se noutras coisas. A recente reportagem do Público sobre os projectos de Sócrates evidenciou a fealdade de algumas construções, mas merece também atenção a fealdade e falta de qualidade de muitos projectos de urbanização. Esta manifesta-se, por exemplo, na estreiteza dos passeios, quantas vezes bloqueados por postes de electricidade, que não permitem em muitas ruas a passagem de um simples carrinho de bebé. Ou nas ruas estreitas dos bairros periféricos, onde em muitos sítios se não conseguem cruzar dois carros se estiver outro estacionado. Isto sem falar na falta generalizada de estacionamentos, de espaços verdes de qualidade, de lugares onde as pessoas possam passear e encontrar-se ou onde as crianças possam brincar.
Sobretudo nos bairros periféricos, a cidade parece pensada para as pessoas ficarem, e se fecharem, em casa. A desertificação do centro e subsequente fuga dos seus habitantes para a periferia agravou o fenómeno: trabalha-se no centro, onde estão concentrados os serviços, e durante os tempos livres fica-se em casa. Nos fins-de-semana, na melhor das hipóteses sai-se da cidade.
Por tudo isto, os guardenses vêem-se pouco uns aos outros. Há menos cafés que antigamente, vive pouca gente nas imediações das ágoras da cidade: a Praça Velha, o Jardim José de Lemos, o largo Marquês de Pombal.
Este inverno, o mais benigno de que há memória, está a permitir antecipar o enorme sucesso que irá ser o Parque do Rio Diz. Aos fins-de-semana cruzam-se por lá centenas de pessoas. Pouco a pouco, está a tornar-se num ponto de encontro e convivência. “Como está? Ao tempo que o não via! Ouça lá, que acha daquela história dos projectos do Sócrates? Tenho um primo que diz que…”
Por: António Ferreira