As últimas notícias sobre as cheias provocadas pelas chuvas torrenciais registadas entre as 09h00 do dia 17 e as 09h00 do dia 18 constituem um novo recorde na Estação Meteorológica de Lisboa que, segundo dados jornalísticos, registou 36 l/m2 de precipitação em 60 minutos. Tal acontecimento, para além das duas vítimas mortais, provocou também avultados estragos, 142 desalojados, cerca de 1960 ocorrências só no distrito de Lisboa e envolveu pelo menos 3093 bombeiros, 964 veículos, 1 helicóptero e 3 botes salva-vidas.
Tal manchete, para além do impacto dos números, apareceu envolta numa controvérsia sem qualquer nexo.
O Governo, na palavra do Ministro do Ambiente, responsabiliza as Autarquias pelas consequências do mau tempo. Para o governante, o problema reside na falta de limpeza regular das ruas e seus sistemas de águas pluviais bem como na construção em zonas indevidas.
As Autarquias culpam o Instituto Nacional da Água, que depende directamente do Ministério do Ambiente, pela falta de limpeza das linhas de água ou de cooperação/financiamento na realização de tais intentos.
A população por seu lado, culpa o primeiro de que se lembra, e os que sofrem directamente com as consequências destas intempéries, esperam pela análise dos seguros para saberem exactamente o que têm coberto.
Então de quem é a culpa? Será que não é de todos?
De que vale desobstruir os sistemas de drenagem, se foram ou continuam a ser permitidas construções em zonas de concentração de águas?
De que vale um sistema de drenagem se optamos por criar um contínuo impermeável e nos esquecemos de que os espaços verdes intersticiais são importantes bolsas de escoamento e de manutenção de algum equilíbrio ecológico no tecido urbano?
De que vale limpar e tomar medidas de protecção a jusante quando a montante dos cursos de água nada é feito?
De que vale criar planos nacionais, regionais ou locais de ordenamento do território se tais planos não passam do papel e levam anos para serem aprovados, e quando o são a importância dada à parte ambiental é secundária?
De que vale chamar a atenção do pequeno proprietário da importância na manutenção das linhas de água e seu valor ecológico, se daí eles não tiram qualquer contrapartida monetária?
Se os planos funcionassem e não passassem de meras intenções escritas, evitar-se-iam mais facilmente situações deste tipo. Por outro lado, passando do geral ao particular, se as intervenções construtivas respeitassem as condicionantes ecológicas não na sua individualidade mas como parte integrante de uma paisagem que funciona como um todo continuum, de certeza que seriam muito menores os efeitos negativos de tais acções. Por último, se durante o ano fossem sendo realizadas as devidas acções de fiscalização, limpeza e manutenção, tal como os estudos/planos e legislação demonstram/obrigam, hoje poderíamos assistir a menos incertezas quanto a culpas e culpados.
Mas como estamos a falar de anos de falta de planeamento, de crescimento desgovernado e ao sabor de marés tal como se vê por estas últimas noticias, é de todo inevitável que ninguém queira responsabilizar-se, porque ao fim de contas a culpa é de quem?
Talvez seja mais fácil culpar o próprio planeta das alterações climáticas. E creio que tal não aconteceu porque ainda ninguém se lembrou.
Analisando os dados do Centro Comum de Investigação (CCI), o braço científico da União Europeia, a gravidade das cheias em Portugal vai piorar entre 20 a 40% nos próximos anos. Tal evolução implica estarmos preparados para implantar sistemas de alerta com previsão de pelo menos três a dez dias de forma a evitar o mais possível danos e vítimas. Mas a continuarmos assim, num país em que a responsabilidade se sacode para o vizinho do lado, vamos continuar a assistir a episódios deste tipo onde o mais importante que actuar na devida altura é procurar o culpado!
Por: Carla Madeira