Na última edição, O INTERIOR publicou uma análise crítica ao Plano de Desenvolvimento Estratégico (PDE) da Comunidade Urbana das Beiras (Comurbeiras). O estudo, da autoria de Cláudia Quelhas, evidencia uma forte concentração do financiamento e dos projectos contemplados na zona da Cova da Beira, em detrimento dos restantes municípios. A Covilhã, Manteigas e o Fundão (que ainda nem integra, formalmente, o organismo) acumulam a grande fatia dos projectos prioritários e são os concelhos que mais beneficiam do documento aprovado pelos 12 municípios que integram a comunidade.
Uma semana depois, O INTERIOR confrontou os autarcas da Comurbeiras com as conclusões. De uma maneira geral, todos afirmam que o PDE não é um documento definitivo e acreditam que, quando chegar a hora de seleccionar os projectos que serão financiados, todos os municípios vão estar em sintonia. De resto, as únicas críticas deixadas pelos presidentes de Câmara em relação ao Plano Estratégico dizem respeito ao «desfasamento» que terá existido entre as autarquias aquando da inclusão de projectos, bem como ao «atraso» na definição das metodologias a seguir face à chegada do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). Esta é, aliás, a «única falha» apontada por António Ruas. Para o presidente da Câmara de Pinhel, a Comurbeiras já deveria estar «numa fase de trabalho mais avançada», até porque «ainda há um longo caminho a percorrer até se chegar à contratualização dos projectos». O edil diz «não comungar da apreciação» que O INTERIOR apresentou na última edição porque «uma coisa é o que se gostaria de fazer e outra, diferente, é o que irá ser financiado na prática, pois, como se sabe, são muitos os projectos que constam do documento».
Quanto às obras que irão, efectivamente, ser apoiadas pelo QREN, António Ruas acredita que nas próximas reuniões serão discutidas as metodologias que permitirão chegar «a uma plataforma de entendimento». Apela, por isso, ao espírito de solidariedade intermunicipal, «que tem sido a tónica na Comurbeiras e que tem de se verificar agora, através do reforço do financiamento nos municípios mais pequenos e com mais dificuldades», espera.
Municípios mais selectivos que outros
Na Mêda, João Mourato admite que existiu «um certo desfasamento» no que diz respeito aos projectos apresentados pelos municípios. «Alguns entenderam incluir iniciativas de âmbito meramente municipal, ao passo que outras Câmaras foram mais comedidas e apresentaram apenas obras relativas ao QREN, como foi o caso da Mêda», garante. O edil acredita que agora «urge aferir qual a estratégia que será seguida daqui em diante, porque ainda não está definida a quota-parte a que terá direito cada município». Quanto ao facto da maioria dos projectos prioritários se concentrarem na Cova da Beira, o edil faz notar que o PDE «não é um documento final, mas de intenções de projectos», logo a análise apresentada «não pode ser entendida como base final de trabalho». De resto, João Mourato acredita que o momento actual constitui «uma fase crucial» para a Comurbeiras, «em que as contratualizações terão de ser feitas sem quem ninguém saia a perder», adianta.
Já António Edmundo, de Figueira de Castelo Rodrigo, refere que no caso do seu município, aquando da preparação dos projectos a colocar no Plano, «houve a preocupação em privilegiar uma certa coesão territorial, de forma muito selectiva». Quanto à concentração do financiamento na Cova da Beira, o autarca afirma tratar-se «de um fenómeno inevitável» e avisa que, apesar de estar satisfeito com os projectos do seu município, também está «preparado para abdicar de alguns deles quando for necessário». António Edmundo só espera o mesmo dos outros municípios. «Devem avançar os projectos que sejam transversais à região», sublinha. Amândio Melo, o autarca de Belmonte, não esconde que, aquando da apresentação de projectos, «se desvirtuou um pouco o objectivo inicial, que seria dar relevo às iniciativas de cariz intermunicipal». O edil confessa que, se numa primeira fase, a Câmara de Belmonte apresentou apenas obras intermunicipais, posteriormente «optou-se por candidatar projectos de interesse municipal». No final de tudo, e chegada a fase de inventariação, refere, «apareceram mais de 500 projectos e desvirtou-se o objectivo inicial».
De resto, o autarca diz não estar «muito preocupado» com a concentração de projectos prioritários na Cova da Beira, porque o trabalho «feito até aqui resulta apenas de uma avaliação técnica». Agora, defende, terá de ser feita «uma avaliação política, para que os vários municípios cheguem a um entendimento quanto ao pacote de financiamento, criando laços de dolidariedade». E acrescenta: «Teremos forçosamente de chegar a esse entendimento, senão a Comurbeiras perde todo o seu sentido».
Quanto à Guarda, o projecto prioritário para Joaquim Valente é a Plataforma Logística, uma estrutura que, assegura, «servirá não só a cidade, mas também a região». No que se refere ao PDE, trata-se de um documento «que só constituirá um plano de acção mais tarde» e, por isso, avisa desde logo que o facto da maioria dos projectos prioritários se centrarem na Cova da Beira não constitui «um cenário definitivo». De resto, o edil acredita que o financiamento para as iniciativas que constituem o documento «não se esgota no QREN, muitas até poderão nascer posteriormente, fruto de iniciativas privadas», augura.
Candidaturas de milhões, financiamento de tostões
A análise publicada n’ O INTERIOR «caiu mal» a José Manuel Biscaia, de Manteigas. «Não tem qualquer validade», refere o edil, argumentando que «é insensato dizer que os autarcas só pensam em construções, que não têm ideias e descuram projectos imateriais». Para além disso, recorda que a Comunidade Urbana ainda não sabe «como serão seleccionados os projectos, até porque são muitos. O Governo é que irá dizer quais serão exequíveis». Também Júlio Sarmento, presidente da Câmara de Trancoso, discorda da análise apresentada, classificando-a como «um exercício meramente teórico». «Estou convencido que nem os municípios que apresentaram poucos projectos irão conseguir executá-los na totalidade, porque só será contratualizado 10 por cento daquilo que está consagrado no Plano», afirma, admitindo que a “avalanche” de projectos da Comurbeiras faz lembrar «o que aconteceu há alguns anos atrás, na chegada do primeiro Quadro Comunitário de Apoio, quando foram preparadas candidaturas de milhões».
De resto, Júlio Sarmento não duvida que, quando chegar o momento de fazer escolhas, haverá «uma relação de proporcionalidade entre todos os municípios», já que mais não seja porque, em termos de votação, «a Beira Interior Norte terá sempre mais peso que a Cova da Beira». Mas, por agora, confirma que «está tudo muito atrasado: ainda não há verba negociada, linhas de acção definidas ou projectos seleccionados, existem apenas intenções de projectos sem regra nem critério». No Sabugal, Manuel Rito prefere louvar «a importância política que o PDE tem, por ter posto 12 municípios a pensar em sintonia». O autarca admite que «não será fácil» encaixar tudo no QREN, mas acredita que «as possibilidades da região não se esgotam neste Quadro» e aponta o caminho da cooperação: «O único a seguir», defende. Quanto a Carlos Pinto, que preside, em simultâneo, à Comurbeiras e à Câmara da Covilhã, escusou-se a comentar o assunto.
Alguns dos projectos prioritários *
• Reactivação e electrificação da Linha da Beira Baixa, **
• Finalização do IP2 (sentido Bragança), **
• Construção dos túneis da Serra da Estrela, **
• Requalificação do Parque TIR de Vilar Formoso (Almeida), 3.000.000 euros
• Construção de um aeroporto regional (Covilhã), 25.000.000 euros
• Construção do Hotel Villa Rica (Covilhã)
• Requalificação do mercado abastecedor da Cova da Beira (Fundão), 100.000 euros
• Recuperação do Teatro-Cine da Gardunha (Fundão), 3.600.000 euros
• Criação de uma via alternativa de ligação da Estrada Nacional 232 à Estrada Regional 338 (Manteigas), 5.000.000 euros
• Requalificação da estrada Vale de Amoreira – Verdelhos – Teixoso (Manteigas), 1.600.000 euros
• Ligação da A23 à fronteira, passando pelo Sabugal e Soito (Sabugal), 25.000.000 euros
• Construção do IP2 – ligação Trancoso à A25 (Trancoso) **
• Construção do IC26, ligando Amarante-Régua-Trancoso (Trancoso), **
• Acessibilidade ao maciço central da Serra da Estrela, que inclui o projecto da nova VICEG (Guarda), 17.500.000 euros
• Criação do Parque de Tecnologia Logística (Guarda), 7.500.000 euros
• Construção do Centro de Congressos (Belmonte), 2.900.000 euros
• Construção do Museu “À Descoberta do Novo Mundo” (Belmonte), 2.200.000 euros
• Recuperação das aldeias medievais (Mêda), **
• Construção de um Heliporto (Celorico da Beira), 300.000 euros
* A escolha dos projectos apresentados foi aleatória
** Montantes não disponíveis no Plano de Desenvolvimento Estratégico
Comentário
Assimetrias inter-regionais
O Plano Estratégico da Comurbeiras tem merecido os mais diversos comentários e análises (nós apresentámos uma análise crítica na última edição, realizada pela arquitecta Cláudia Quelhas). Tenho dúvidas sobre a execução de muito do que ali é proposto, mas, ainda assim, parece-me um documento interessante. Foram ali vertidos a maioria dos projectos, ideias e sugestões que as autarquias tinham em carteira. Muitos deles não passam de intenções, outros têm grande relevância para o futuro da região. Outros não estão sequer orçamentados, ou seja, que os valores globais, elevadíssimos, seriam ainda maiores se tudo estivesse devidamente orçado. Nem toda a dotação do QREN para a região Centro chegaria…
Mas há uma triagem inicial de duvidoso interesse e cujo critério tem de ser questionado. Nesta edição apresentamos a perspectiva de muitos dos autarcas envolvidos, que, de bom grado, aceitam as coisas como estão. Para a maioria o documento não é definitivo, pelo que acreditam que muita coisa pode ser mudada. Esquecem-se que o Plano foi aprovado, também por eles, e será uma base importante para os financiamentos desejados. Compreende-se que os concelhos com mais projectos e maior dotação, independentemente do critério, sejam Covilhã, Fundão e Guarda, com a surpresa de Manteigas também estar entre os primeiros. Mas lamenta-se que os mais pobres, por falta de ideias ou iniciativa, tenham tão pouco investimento previsto (a Cova da Beira fica a ganhar…). As assimetrias dentro da própria região irão, pois, crescer. Os respectivos autarcas estavam distraídos ou não concluíram que o benefício a priori era direccionado para alguns concelhos.
Vejamos alguns exemplos. Em contraste com muitas pessoas, acho positivo e estratégico que o aeroporto da Covilhã esteja entre as opções, mas não acredito na relevância do aeródromo de Leomil, para nada, nem para os Bombeiros, nem para logística – um erro! É relevante a aposta no turismo – e são muitos os investimentos no sector – mas há imensos projectos de cariz municipal que se afastam do princípio da dinâmica intermunicipal desejável. Não se compreende, em muitos casos, a ordem de prioridade atribuída – por exemplo na Guarda, é incompreensível que as duas vias estruturantes mais urgentes, a Variante à Sequeira (orçada em 10 milhões de euros) e a ligação da VICEG à Ti Jaquina (com 6,5 milhões), sejam projectos concelhios que não merecem “prioridade elevada” ou sequer “prioridade moderada”, enquanto, por exemplo, a construção do Parque de Actividades Desportivas de Celorico da Beira recebe a classificação de “prioridade elevada”. E houve muitas falhas ou falta de visão de conjunto, de percepção intermunicipal – por exemplo, considera-se “prioritário” (na «Inovação e Competitividade») a «Criação de Parque Empresarial – IP2», no concelho de Celorico da Beira, («que pode agrupar Celorico, Guarda, Fornos e Trancoso») e considera-se igualmente “prioritário”, no concelho de Trancoso, a «Criação da área de localização empresarial (deverá localizar-se junto do nó de Vila Franca das Naves do futuro IP2, em território dos concelhos de Trancoso e Celorico da Beira)». Ou seja, estamos a falar do mesmo projecto, de uma solução similar e de uma localização coincidente.
Ainda assim, se houver aprovação de boa parte do que se apresenta será muito positivo, se bem que os concelhos mais pobres… mais pobres irão ficar.
Luís Baptista-Martins
Rosa Ramos