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«Começa-se a encarar o árbitro como uma parte integrante do jogo e não um problema»

Cara a Cara – Entrevista

P-Foi recentemente escolhido como árbitro internacional pela FIFA. Qual o significado desta nomeação?

R- É uma nomeação com um sabor muito especial, sobretudo por ser conquistada numa região onde não pontificam os árbitros. Para além disso, representa o corolário de 15 anos de arbitragem, de grande esforço, trabalho e sacrifício. Confesso que quando iniciei esta actividade não aspirava chegar a árbitro internacional. Apenas coloquei esse objectivo há três, quatro anos, quando as minhas classificações na primeira categoria começaram a ser razoáveis. Atendendo à idade que tenho e aos anos que ainda me faltam para terminar a carreira, cheguei à conclusão de que poderia e deveria ampliar os meus objectivos. Porém, devo dizer que tenho perfeita consciência de que cheguei ao “mínimo do máximo”. Embora tenha chegado ao patamar maior, estou no grupo dos estagiários e há que tentar passar para o grupo seguinte o mais depressa possível. No fundo, esta é uma nomeação que representa muito. Significa chegar ao topo da carreira e é um orgulho muito grande poder representar a região no país e além-fronteiras.

P-Depois de atingida a categoria de internacional qual é, agora, o seu maior sonho?

R- Obviamente que, depois de atingido o patamar máximo, já não me resta muito mais por que aspirar, até porque são poucos aqueles que conseguem chegar até este ponto. Porém, pretendo trabalhar sempre mais, todos os dias. Tal como as equipas ambicionam sempre ganhar o próximo jogo, também eu quero fazer sempre melhor nos jogos internacionais para que for designado e obter as melhores prestações possíveis. Como é sabido, na UEFA existem quatro grupos distintos e ainda um top class. Neste momento, vou entrar para o último grupo, de estagiários. Deste modo, o meu objectivo passará, essencialmente, por continuar a evoluir. Não é que me sinta já com a sensação do dever cumprido, mas sei que tudo o que vier a partir de agora, virá por acréscimo.

P- Como vê a arbitragem em Portugal?

R- Tenho uma visão bastante optimista em relação a esta matéria, embora reconheça que a imagem que as pessoas têm dos árbitros não seja, por vezes, a melhor. No entanto, penso que a pouco e pouco essa ideia está a ser alterada. A arbitragem passou por um período muito conturbado que, espero que esteja a esfumar-se, mas as pessoas começam a encarar o árbitro como uma parte integrante do jogo e não um problema.

P-Considera que existem mais valores no distrito de Castelo Branco?

R- Sim. Existem alguns valores que, dependendo do esforço, trabalho e sacrifício que venham a empreender, poderão chegar a um nível muito elevado. De resto, espero que a minha nomeação possa constituir uma espécie de pedrada no charco e sirva de incentivo para que continuem a trabalhar. É preciso sempre acreditar que com esforço e trabalho tudo é possível.

P- É mais difícil singrar no contexto da arbitragem estando-se no interior do país?

R- Hoje, e felizmente, as dificuldades e as assimetrias não se sentem com tanta intensidade como há dez ou vinte anos atrás. Actualmente, a internet e as vias de comunicação permitem um maior e melhor acesso à informação. As dificuldades que antigamente existiam relativamente à forma de trabalhar, aos treinos, eventuais dúvidas sobre as leis de jogo são hoje menos sentidas. Penso, aliás, que as dificuldades experimentadas no interior não são muito diferentes, actualmente, das vividas no litoral. No entanto, na nossa região, há o problema do recrutamento ser mais difícil, mas estamos a trabalhar no sentido de colmatar essa realidade. Vamos tentar que os jogadores das camadas jovens dos clubes que, quando passam à idade sénior não continuam a jogar à bola, possam ver na arbitragem uma forma de continuar ligados ao mundo do futebol.

P-Como encara, por outro lado, a questão da profissionalização dos árbitros?

R-Sou totalmente a favor da profissionalização. Hoje, tudo o que gira em torno do futebol é cada vez mais profissional e, como tal, nada justifica que um elemento com tanto poder de decisão como o árbitro não o seja também. Já estão a ser dados os primeiros passos nesse sentido. É importante que se entenda que, mais do que uma remuneração no final do mês, os árbitros têm de ter disponibilidade para treinar e trabalhar da mesma forma que os jogadores fazem. Nós trabalhamos, geralmente, mais de oito horas por dia nos nossos empregos e só depois investimos nos treinos – e, como é fácil de entender, o rendimento não é o mesmo. Para além disso, no domingo sofremos uma carga emocional que não é compatível com aquilo que trabalhamos durante a semana. Já para não falar do facto de não termos ao nosso dispôr a logística inerente ao universo profissional. Penso que temos de trabalhar no sentido da profissionalização: estou certo de que é para aí que o futebol vai caminhar.

P-E a introdução, na arbitragem, de novas tecnologias como o chip na bola ou o recurso ao vídeo?

R-Encaro essas inovações com satisfação, desde que não desvirtuem o futebol. Se ajudarem os árbitros, a arbitragem e a verdade desportiva e mantenham a essência do desporto, são sempre bem-vindas. Contudo, é um assunto muito complexo, que envolve muitas variáveis. A própria FIFA tem-se mostrado muito cautelosa nestas matérias. Na minha perspectiva, tudo aquilo que não ponha em causa a essência do futebol vem por bem. Até porque julgo que é preciso acompanhar a realidade: o futebol já não é futebol, é uma indústria e em alguns países tem um impacto económico enorme. Temos de nos adaptar às novas realidades.

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