Arquivo

O Instinto de Sobrevivência Ou Falando Contra a Corrupção em Tom Sereno

Não é novidade: a vida é o nosso bem supremo. Face à nossa própria preservação tudo o resto é secundário. Se fosse preciso prová-lo, nomearia as duas forças mais poderosas que regem o ser humano: o instinto de sobrevivência (fobia da destruição, da morte, de Thánatos ) e a sua arma principal, o poder dominador do sexo (atracção para o acto de reprodução, para Eros, para a renovação da vida). Se a genética nos determina mas é variável de indivíduo para indivíduo, essas forças instintivas constituem uma plataforma que nos é comum.

O instinto de sobrevivência revela-se, metamorfoseado, camuflado, em todos os aspectos da existência, não apenas no que diz respeito ao esforço implícito na preservação primária da saúde, mas também na dinâmica de subsistência presente nos mais diversos aspectos sociais e projectos económicos e políticos. Ao viver em sociedade, o sentido de preservação individual repercute-se a nível social na forma como cada um engrena tanto no trabalho como na organização dessa mesma sociedade.

Mas se tudo fosse assim, tão simples e inócuo, o mundo evoluiria num pacífico progresso. Mas não. A sobrevivência centra-se no indivíduo e tende a objectivar-se nele próprio, concretizando-se sem qualquer preocupação com a sobrevivência de todos os restantes. Pode mesmo ser conseguida à custa desses outros: dos seus postos de trabalho, da sua progressão na carreira, das suas economias, das suas propriedades, da sua saúde, da sua reputação, da sua liberdade e até mesmo da sua vida.

Daí a necessidade de contrabalançar a força instintiva, potencialmente boa, com uma força racional, que controle a sua paradoxal faceta potencialmente destruidora. Daí a necessidade de existência de um poder regulador, os governantes ou líderes políticos. Com a sua visão de conjunto, eles são aqueles que conseguem fazer perceber que a sobrevivência individual passa pela sobrevivência colectiva, que a sobrevivência de um grupo dentro de uma comunidade passa pela sobrevivência de todos os grupos dentro dessa comunidade. E que, no final, a luta pela sobrevivência de uma comunidade se identifica com a luta, no mesmo sentido, travada por outras comunidades e que todas sobreviverão mais facilmente se se entreajudarem para poderem viver em paz.

Para se ser governante é necessário possuir essa sabedoria dentro de si, ou seja, não ter apenas conhecimento dela mas encarná-la e vivê-la no dia a dia. É necessário consciencializar-se, acima de tudo, de que essa força, simultaneamente tão boa e tão má, que é o instinto de sobrevivência, também se encontra dentro de si próprio para que dela se possa precaver. É necessário que constantemente se questione para que não aproveite a sua situação de poder e não seja levado pela força instintiva e individualista a zelar pelos seus próprios interesses à custa dos interesses comuns e a proteger alguns por saber que, mais tarde, poderão retribuir. Urge que o seu pacto seja com a comunidade no seu todo e não com grupos de interesse.

A vida é o nosso bem supremo – há que preservá-la para todos. Não há nada de novo nisto. Mas, tal como as preces que fervorosamente se repetem ou o som da flauta do encantador de serpentes, parece necessário diariamente lembrar.

Por: Luísa Queiroz de Campos

Sobre o autor

Leave a Reply