O acrónimo “Comurbeiras” designa por antonomásia a Comunidade Urbana das Beiras, entidade vocacionada para a administração intermunicipal. Apesar das incongruências iniciais (arbitrariedade da circunscrição, descontinuidade territorial, desejo de secessão, etc.), a Comurbeiras, fundada a 30 de Junho de 2004, congregou 12 municípios das regiões NUTS III da Serra da Estrela, Beira Interior Norte e Cova da Beira, com aproximadamente 180 mil habitantes, e estava a preparar-se para iniciar funções. Porém, há uma semana, o secretário de Estado da Administração Local antecipou à imprensa a revogação da Lei 10/03, que criou as comunidades urbanas.
A República carece de estruturas que garantam o governo democrático à escala regional. Mas a Regionalização, prevista na Constituição de 1976, foi reprovada em referendo a 8 de Novembro de 1998. Até agora, a participação cidadã na política tem sido meramente formal. As autarquias talvez não o percebam, mas dissuadem as pessoas de participar nas discussões públicas, levando-as a crer que tudo é decidido de maneira irreversível. O mesmo sucede com a Comurbeiras: o seu Plano de Desenvolvimento Estratégico foi apresentado com uma carência de informação que coíbe a crítica substantiva. Divulga-se o ror de projectos, mas não as suas razões – e os números, dizia Alberti, têm qualidades –. Os quatro eixos estabelecidos no PDE (património histórico e turístico; produtos do território; posicionamento transfronteiriço; inovação e competitividade e coesão social e territorial), mau grado a falta de propriedade no uso dos conceitos, arrumam a colecção de 552 projectos propostos pelos municípios. Interrogamo-nos sobre os critérios que ditaram as prioridades e sobre a relação disto com o Plano Operacional da Região Centro.
Tememos que os investimentos aí previstos (“requalificação” da Serra da Estrela, aldeias históricas e medievais, piscinas-praia, centro de interpretação do milho, aeroporto, etc.) sejam recorrentes e anacrónicos face à necessidade de proceder a um planeamento de concertação que contrarie a gestão casuística com acções duradouras. A “aposta” no turismo, longe de ser uma panaceia, contribui tanto para a descaracterização territorial e para a precariedade social quanto outras, sobretudo em regiões deprimidas onde, a pretexto do desenvolvimento económico, a escassa consciência ambiental e o baixo nível de instrução autorizam abusos incompatíveis com a desejável economia do conhecimento. Se os fundos estruturais se dirigem essencialmente ao estímulo da inovação, ao crescimento económico e ao desenvolvimento sustentável, é insensato persistir no pendor construtivista e produtivista, ofensivo da ciência e da arte, fazendo tábua rasa da investigação e das competências especializadas do País. A divergência da Beira com a Europa funda-se essencialmente nesta alienação cultural.
Sempre pensámos que as comunidades urbanas contribuíssem para rentabilizar o investimento público, contrariando a multiplicação de empreendimentos municipais ao sabor dos ciclos eleitorais. Pensávamos, aliás, que coadjuvassem a Política de Cidades, centrada no desempenho das “redes urbanas” para a competitividade, havendo financiamento de acções inovadoras no âmbito da arquitectura e do urbanismo. Com projectos avulso, sem gestão integrada, dificilmente melhoram as condições de vida e se estimula o desenvolvimento regional ou a cooperação e a concorrência transfronteiriças, objecto de PO. A dois meses da execução do QREN, talvez seja oportuno perguntar pela ambição “estratégica” da quase extinta Comurbeiras ao nível das dinâmicas sócio-económicas e territoriais. Que vantagens nos trazem órgãos regionais deste tipo, tão distantes das populações quanto os do poder central?
Por: Francisco Paiva