Após oito anos com as ruas esventradas, a população de Algodres, no concelho de Fornos, já pode respirar de alívio. Terminaram, no final de Setembro, as escavações arqueológicas que “mexeram” com grande parte da aldeia, depois de avanços e recuos nos trabalhos. Tudo porque, em 1999, aquando da instalação do saneamento básico, descobriu-se que o solo da localidade guardava mais de 15 séculos de vestígios arqueológicos. No entanto, findos os trabalhos de prospecção, ainda há quem duvide do seu término.
Em 2000 e 2001, as escavações foram coordenados por Alexandra Soares, arqueóloga, e Hugo Cardoso, antropólogo. Contudo, o trabalho de campo (entretanto retomado este ano) terá sido interrompido de forma súbita em Janeiro de 2001 e a área escavada foi novamente tapada. Segundo Hugo Cardoso, na origem desta paragem terão estado «uma série de atritos entre a Câmara de Fornos e a equipa de arqueologia», sobretudo depois desta ter concluído que existiam «outras zonas a necessitar de intervenção, além das inicialmente previstas no âmbito da instalação das infraestruturas de saneamento básico». Alertada para a necessidade de salvaguardar um «património valiosíssimo e numeroso, com mais de quinze séculos de história», a autarquia terá então alegado falta de dinheiro para continuar os trabalhos. Contudo, a versão do antropólogo é outra. «A arqueologia foi vista como um empecilho e houve muita falta de vontade por parte dos responsáveis», lamenta.
Alexandra Soares vai mais longe e garante que, a dado momento, percebeu-se que no subsolo de Algodres existia uma grande necrópole com cerca de cinco mil esqueletos, «muitos dos quais sobrepostos». Mas da autarquia vieram indicações específicas para ignorar grande parte das ossadas. «Foi-me dito para me limitar a escavar uma centena e abandonar o restante», revela. Um ano depois, Alexandra Soares regressou à aldeia e verificou que, «pelo menos, duas ruas de Algodres terão sofrido intervenções sem qualquer acompanhamento arqueológico». Por outro lado, a arqueóloga considera «estranho» que as últimas escavações, iniciadas este ano, tenham sido feitas num espaço de tempo «tão curto». A sustentar estas reservas está o relatório elaborado pela equipa de arquelogia em 2001, que alude à existência de milhares de enterramentos. Alexandra Soares admite mesmo que poderá existir algum «conflito de interesses», pois o director do Centro de Interpretação Histórica e Arqueológica de Fornos de Algodres (CIHAFA), António Carlos Valera, também está ligado à empresa adjudicatária da conclusão dos trabalhos.
Para além disso, recorda que, em 2001, findos os trabalhos de campo, «a lei impunha que fosse elaborado o respectivo relatório», pelo que foi assinado um protocolo entre a arqueóloga, o Instituto Português de Arqueologia (IPA) e a Câmara. Mas, passados sete anos, a autarquia «ainda não liquidou os 3.631 euros referentes ao documento», refere. Apesar das inúmeras tentativas, José Miranda, autarca fornense, nunca esteve disponível para comentar o caso.
Conhecer o passado da aldeia
As primeiras prospecções em Algodres tiveram início em 1999, numa altura em que se procedia à implementação das infraestruturas básicas de saneamento e electricidade. Os trabalhos de campo terminaram há cerca de duas semanas e foram coordenados por Inês da Silva, que está encarregue de elaborar o respectivo relatório.
Já os vestígios encontrados vão ser depositados CIHAFA e pertencem a períodos distintos, «desde o século IV até ao XIX», adianta a arqueóloga. Foram também encontrados fragmentos de cerâmica e moedas do período romano, além de exumados perto de uma centena de esqueletos e 20 ossadas. Para Inês da Silva, todo este material permitirá «conhecer mais sobre a história da ocupação de Algodres». Logo em 2000, começou a ser intervencionada uma necrópole, cujas origens remontarão ao período correspondido entre os séculos X e XIII. Porém, aquilo que inicialmente se pensava ser um pequeno cemitério medieval deu rapidamente origem a outras conclusões: sob Algodres existiam, afinal, cerca de cinco mil enterramentos, numa área de dois mil metros quadrados à volta da igreja matriz.
Rosa Ramos