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Tempo de humanizar a Cidade

A cidade plasma as dinâmicas e os ciclos sociais, funcionando como um indício da esperança colectiva, apesar de nem sempre crescer de acordo com as expectativas daqueles que a habitam. Desde sempre que a cidade povoa o imaginário ocidental, oscilando entre o lugar da utopia e da catástrofe. Não obstante, a arte de fazer cidade condiciona o carácter, o ritmo da vida e a cultura dos povos.

A era da máquina obrigou ao ajuste da espacio-temporalidade, provocando uma espécie de contracção espacial: as distâncias passaram a traduzir-se em tempo. Apesar do primado da velocidade coadjuvar a expansão urbana, os valores da civitas continuam a apurar-se nos ciclos longos e lentos da humanidade e as mutações radicais e instantâneas na paisagem apenas ajudam à desagregação, acentuando a precariedade do quadro da vida de toda uma geração. Também a celeridade das decisões em matéria urbanística compromete a vida colectiva, na medida em que a congruência da cidade depende das conexões recíprocas entre os diversos tempos, entre as várias idades da cidade, para que esta contenha o tempo de todos.

O desejo de imortalizar a passagem pelo mundo, próprio dos imperadores, persiste como o estro do dirigente local que almeja apor o seu nome na melhor rua da freguesia. Tal indistinção entre a esfera pública e a ambição individual acusa a incapacidade de responder programaticamente à evolução da sociedade, cujo desenvolvimento não se compadece com as obras de aparato cadenciadas pelos ciclos eleitorais. Neste aspecto, os municípios da Beira Interior não percebendo a sua própria escala e incapazes de gerir o habitat à escala humana, agem como metrópoles, substituindo agora o passado rotundante pelo afã das vias de circunvalação e das pontes pedonais, turvando a mente do indígena com o “marketing urbano” para compensar a falta de planeamento físico.

Tal alheamanto dos grandes desafios do mundo contemporâneo, mormente da interdependência entre a prática urbanística e os problemas ambientais é hoje incompreensível. Não nos referimos apenas aos aspectos quantitativos, do número de vidrões e de papelões ou ilhas ecológicas espalhados pelas cidades. A cidade, ela própria, tem que assumir o desiderato da sustentabilidade ecológica na sua morfologia, permitindo-nos, assim como à administração pública, consumir menos energia e poluir menos. Urge, pois, fomentar modelos de inovação urbana que aliviem as futuras gerações dos resultados desta incúria e da escassa reciprocidade entre o homem e o meio ambiente.

Se a cidade deve conciliar a consciência do passado com o desejo futuro, não pode reduzir-se a um aglomerado de edifícios, antes constituir-se como um organismo que hierarquiza e satisfaz inúmeras necessidades, desde as comerciais às residenciais e de lazer. Deve, acima de tudo, favorecer a eclosão do sentimento social e a sua manutenção, acolhendo condignamente as instituições sociais, políticas, culturais e económicas, proporcionando aos cidadãos um espaço público qualificado, que contribui para a melhoria dos índices de desenvolvimento humano.

Na vida pública, como no âmbito privado, a moralidade deriva muito da capacidade de auto-limitação; no limite, da nossa própria liberdade. À política urbana compete estimular o aparecimento de uma sociedade mais exigente. Para tal, tem de observar critérios funcionais e de conforto mobilizadores, procurando soluções com e para os cidadãos, rompendo com o governo impositivo e conformista de jaez oitocentista, desajustado da situação técnico-científica, dos modos de vida e das necessidades reais das comunidades.

Por: Francisco Paiva

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