Apesar do alarme social causado pela aparente extinção da profissão de telefonista, o que aconteceu foi apenas uma requalificação profissional. Quem actualmente desempenha a sua actividade profissional no contacto telefónico com o público designam-se técnicos de atendimento, operadores de call center, agentes de telemarketing ou putas com números de valor acrescentado. Como se compreende, o telefonismo é efectivamente uma actividade em expansão.
Os mais novos, pouco familiarizados com a aspereza da profissão, estarão convencidos que o atendimento telefónico pode ser executado por telemóvel, numa praia ou numa piscina, como se fossem o Santana Lopes. Não é assim. Ser telefonista implica passar o dia todo encostado a uma secretária junto de um telefone. Por razões de segurança, esse telefone está normalmente dentro de uma divisão envidraçada, que no século passado era conhecida por PBX (acrónimo de Public Blab Exchange – em português, Troca Pública de Calhandrice). Para chegar a telefonista é necessário uma formação parecida com os dos pilotos da aviação comercial, para operar com aparelhos dotados de uma centena de botões – os que temos em casa têm dez botões com os algarismos e apenas mais dois ou três, e mesmo esses não se percebe para que sirvam. No entanto, ter como única alternativa de trabalho a pizzaria do bairro e a perspectiva de conhecer a Marta da publicidade tem levado muita gente a procurar esta actividade. Mesmo por parte de rapazes, numa profissão de tradição vincadamente feminina. É já absolutamente normal ouvir uma voz masculina do outro lado da linha, excepção feita às referidas linhas eróticas. (Mas onde até homens com qualidades vocais como as do guarda-redes Ricardo podem muito bem trabalhar.) Nos escritórios mais tradicionais, os homens continuarão em desvantagem perante as mulheres para serem contratados para o lugar de telefonista. As razões são duas e chamam-se mamas. Para trabalhar em repartições da administração pública, onde não se praticam discriminações em função do sexo (embora alguns dirigentes prefiram informalmente o oral), é indispensável ser-se dotado de boa capacidade de memorização, não tanto para decorar números de telefone, mas para conhecer os ínfimos detalhes da vida privada dos colegas de trabalho.
Por questões metodológicas de organização taxionómica, não foram incluídos nesta actividade os agentes da Polícia Judiciária que ouvem todas as chamadas telefónicas feitas em Portugal. Embora passem o dia a ouvir conversas parvas ao telefone e depois se ponham a comentar a vidinha com os delegados do Ministério Público, não se imagina um inspector da polícia criminal de xaile aos ombros e um livro de palavras cruzadas enquanto escuta o palavreado sujo da malandragem nacional.
Para todos aqueles determinados a aceder à profissão, seja num velhinho PBX ou num moderníssimo call center em open space, há alguns cuidados formativos que os candidatos devem conhecer e suprir. Por exemplo, conhecer a numeração árabe – e hoje é possível aprender isto em qualquer escola portuguesa, não é necessário inscrever-se numa madrassa malaguenha. (Alguns historiadores explicam mesmo que uma das razões para os romanos nunca terem inventado o telefone foi a grande dificuldade de inscrever tantas letras nos discos dos aparelhos.)
O telefonismo é uma actividade profissional excitante e os boatos do seu desaparecimento não passaram, afinal, de conversa de cabine telefónica.
Por: Nuno Amaral Jerónimo