Para todos é visível que a estabilidade de emprego, “emprego para a vida” é coisa do passado, sendo a precariedade laboral uma realidade vivida cada vez mais por muitos e muitos portugueses. Sendo progressivamente desvalorizadas as questões sociais, é o mercado que dita cada vez mais as regras, impondo-se as medidas economicistas em prol da valorização das pessoas e das populações.
O desemprego é assim, há muito, um problema real transversal à grande maioria das classes profissionais e assim vai evoluindo a nossa sociedade que cada vez se quer mais moderna e produtiva, mas consequentemente menos humana e solidária.
Mas o que me leva hoje a escrever é, a meu ver, um problema mais gritante, na medida em que a precariedade laboral vivida pelos enfermeiros tem como consequência directa a precariedade dos cuidados de saúde prestados às populações e custos acrescidos a um Estado que se diz economicista e bom gestor dos dinheiros públicos.
Eu próprio, aquando da visita do Ministro da Saúde Correia de Campos à nossa cidade, oportunamente alertei para a situação da precariedade laboral dos enfermeiros, que com os seus vínculos contratuais de 3 mais 3 meses, legalmente não renováveis, punham em causa a resposta qualificada de cuidados de saúde e contribuíam para a desertificação da nossa região, na medida em que, perante a escassez de instituições de saúde no distrito, teriam continuamente de permanecer com as malas feitas à porta de casa prontos a partir para os grandes centros, não podendo assim permanecer no interior. E um hospital não é só feito de paredes e equipamentos, pois sem pessoas nunca funcionará. E se as pessoas estiverem motivadas, mesmo um pequeno hospital poderá sempre ser grande.
A recente publicação do Decreto-Lei n.º 276-A/2007, de 31 de Julho, surgiu assim como a gota de água que fez transbordar o problema, apresentado como solução transitória e, embora permita a contratação pelo período de um ano, só veio agudizar ainda mais as situações de instabilidade e precariedade laboral existentes entre os enfermeiros e, desta forma, poder comprometer o já deficitário nível de acesso das populações a cuidados de saúde. Solução notoriamente mal pensada e muito pouco acertada, na medida em que as instituições de saúde no nosso pais há muito que têm os seus quadros de enfermeiros deficitários, havendo muitos serviços que apenas sobrevivem e não encerram as suas portas às populações, porque há muito que os cuidados são assegurados por enfermeiros contratados que, na realidade, há muito exercem funções de necessidade permanente e não transitória, sendo assim comprovadamente imprescindíveis para o regular funcionamento das instituições, pelo que deveriam possuir há muito um vínculo laboral efectivo.
A realidade da situação no distrito da Guarda é preocupante, na medida em que no conjunto das instituições Hospital da Guarda, Hospital de Seia e Centros de Saúde, cerca de 15 por cento dos enfermeiros são contratados. E a implementar-se a lei ao abrigo do recente Decreto-Lei n.º 276-A/2007, em vigor a partir de 1 de Agosto, “a ruptura será efectiva em vários serviços”. Sendo já preocupação premente a situação vivida no Hospital Sousa Martins, pois, dois dos seus serviços (Medicina A e Pneumologia) têm maioritariamente nas suas equipas enfermeiros contratados em término de contrato, cuja sua possível não renovação poderá levar ao encerramento dos mesmos.
É urgente tomar novas e diferentes medidas por parte do Governo/Ministério de Saúde, pois toda esta situação, para além de criar constrangimentos aos jovens enfermeiros e às próprias administrações das instituições de saúde, prejudicam também os utentes e assim as populações, pois a cada dia que passa esta situação de instabilidade induz inevitavelmente à diminuição da qualidade dos cuidados de Enfermagem que lhes são prestados.
Por: Joaquim Nércio, Enfermeiro, Delegado Sindical do Sindicato de Enfermeiros Portugueses