Os cuidados continuados são uma aposta dos últimos governos e nasceram com o Ministro Luís Pereira na forma de experiência piloto. O conceito, em si mesmo, é triste porque revela a falência da família e comprova a incapacidade das pessoas em se encarregarem dos seus idosos e doentes. O infortúnio como descontinuidade, e depois a falência da família como reduto último de protecção.
Perante a ideia das 10.000 camas a criar incentivaram-se as IPSS e os privados à construção de unidades de tratamento destes doentes, e inclusivamente o Ministro Correia de Campos foi dando destes serviços a ideia de contrapartidas para muitos outros que iam fechando. Tome lá 26 camas para Tábua, 30 camas para a Guarda, 25 para Arganil, 40 para a Fernão Mendes Pinto, etc, etc.
Mas eis que nascem as decisões delirantes.
O Ministério incentivou as Instituições à abertura, estas recorreram à Banca e a lógica seria a de criar mecanismos de viabilidade dos investimentos e já agora da manutenção da capacidade instalada, e como é lógico, algum lucro. O Estado poupou no investimento das instalações, os outros ficaram com encargos enormes para cumprir todas as exigências que a ASAE vigia e o Estado não cumpre nos seus territórios próprios. O Estado que guardava estes doentes em unidades caríssimas de 300 euros por dia sem medicação, entregou os doentes aos privados e IPSS por somas inferiores a 40 euros por dia incluída a medicação. Mas o delírio não se fica aqui: Estas unidades que devem ser Hospitais com doentes em convalescença, em média ou em longa duração devem suportar os encargos com as emergências, devem ter médicos e enfermeiros quase em permanência e sobretudo têm de servir melhor que os hospitais. Atente-se nos valores propostos pelo Governo, sempre inferiores a 50 euros por dia incluída a medicação e a fisioterapia. O Estado percebe entretanto que está a asfixiar as Instituições e por força das Misericórdias introduz a possibilidade de pagar alguns medicamentos.
Delírio máximo é a criação de uma lista de medicações comparticipadas onde não se inclui nenhum fármaco de urgência, nenhum medicamento listado como essencial num carro de agudos. Os doentes podem transitar para a unidade e esta terá de comprar a medicação mais cara e aplicar com prejuízo. Isto é eu dou-te 40 euros por dia mas tu tens de gastar mais de cem. Um negócio totalitário e intolerável em qualquer parte do mundo.
O Ministério da Saúde está a asfixiar as IPSS com a nova lei dos cuidados continuados e está a hipotecar a resistência destas a mais adversidades. As instituições colocadas neste processo, que acreditaram no Estado têm agora os encargos bancários em crescendo, os salários dos funcionários a aumentar, as exigências ébrias do Estado e um número de camas por unidade que não chega para a prestação mensal.
O terceiro delírio foi oferecer a todo o lado em que encerrava os SAP unidades destes tipo. Foram para Cantanhede, Valença, Torres Novas, Valongo, num crescendo de cogumelos pequenos. O problema é que sendo entregues muitos e com pequenos volumes não se viabiliza nenhuma unidade das que se foram criando e hoje vivem todas em dificuldades.
O outro delírio é histórico. O mesmo Estado que fechou as camas nos Centros de Saúde durante vários anos cria agora uma rede de cuidados sobre o cemitério de instituições que há alguns anos criou. Mêda, Nelas, Trancoso, Tábua, Lousã, Arganil e tantos outros lugares tiveram internamentos que seguiam estas mesmas patologias, e foram todos encerrados.
Depois de década e meia com os hospitais sem capacidade de alojar estas situações voltam a conceber o erro da sua ausência. Agora já não o Estado a construir e a regularizar mas a IPSS a endividarem-se e a gerirem.
O Estado não pode esquecer que as Misericórdias e os privados são uma força de reserva para as falências Institucionais e por essa razão não deve desproteger estas entidades. Os serviços prestados à população pelas Misericórdias e por muitas IPSS são prestimosos e intocáveis pelo bom senso, protegendo os necessitados, albergando os mais pobres e empregando muita gente que de outro modo cai na miséria. Outro exemplo é Oliveira do Hospital que tem um Hospital da Fundação Aurélio Amaro Diniz em vias de desaparecer pelas muitas exigências da ARS Centro, e a sua morte acarreta centenas de desempregados. O Hospital de Oliveira é a maior empresa da Região e está colocado numa situação de clara ruptura. Nestas economias de região a morte do Hospital é a morte do Crédito Agrícola, a morte dos fornecedores do Hospital e a rede de negócios da comunidade sofre reveses que não estão a ser quantificados.
O delírio passa pois por criar Unidades que não têm viabilidade financeira e destruir os concorrentes do Estado a um Serviço que o próprio quer abandonar ou já tinha de facto abandonado.
A situação é mais dramática se tivermos em conta a morosidade nos pagamentos e a dificuldade em chegar ao diálogo com esta gente que se esconde atrás do Governo mais doentio e intransigente que nos caiu em sorte até hoje.
Mas há soluções? Claro que há outros modelos de gerir e de fazer a reforma. Desde logo que neste assunto específico a solução é criar unidades viáveis, com capacidade suficiente para serem exemplares na forma, na estética e na consolidação económica. Vigiar o cumprimento das normas legais dentro delas e auditar os seus resultados. São necessários lugares de dignidade e de alegria que contraponham a imagem de espaços de chegar ao fim. Com estas verbas não é possível haver flores, não é possível ter jardins, fazer salas de entretenimento e de convívio, abrir os idosos válidos à comunidade, trazer a família e a comunidade ao espaço dos doentes. Isto é tudo viável e eu já testemunhei em lugares onde se pensa sem delírio, e sem a triste loucura de achar que no dia em que se nasceu é que se fez luz.
Por: Diogo Cabrita