Há duas maneiras de falar das cidades, diz-nos Calvino: uma consiste em dizer que têm jardins, ruas, chaminés e bairros e outra passa por sentir a vida que as pessoas trazem nos olhos. Então, as cidades são invisíveis sem a memória do que foram e são inverosímeis sem o desejo do que poderão ser. Noutro registo, a recente Carta Europeia de Leipzig para o renascimento das cidades, aponta precisamente a beleza, herdada ou hodierna, como o principal factor de competitividade das cidades.
Tradicionalmente, Portugal despreza a regulamentação europeia, e mesmo nacional, de ordenamento do território e sujeita as políticas urbanas aos ciclos eleitorais, não assumindo a necessária continuidade na execução das directrizes. Porém, a independência do planeamento estratégico face a esta volatilidade e à especulação imobiliária é condição para alcançar um espaço urbano com qualidade estética e funcional, obter retorno dos investimentos e satisfazer o interesse público, cuja defesa compete ao Estado, mas que deve ser aferido pelos cidadãos, hoje resignados ao desacerto urbano.
Gastos os fundos de coesão, convenhamos que nem sempre da melhor maneira, os problemas físicos e sociais nas cidades da Beira Interior multiplicaram-se, havendo muito por fazer para as humanizar. O dinheiro não educa. A centralização administrativa é nociva, mas um certo poder local endinheirado e ignaro, a pretexto da modernização, também fez dano. É essencial alterar os procedimentos, pois nenhuma área edificada dispensa a qualidade arquitectónica, seja um parque industrial, uma zona desportiva, comercial ou residencial. O cosmopolitismo da arquitectura, aliado à forma urbana é, cada vez mais, um critério de elegibilidade na localização dos vários sectores de actividade, mas deve ser conciliada com a correspondente reserva de solo.
O modo de pensar e agir dos portugueses continua condicionado pelo desejo de “ter” casa. O recurso generalizado à hipoteca produziu cidades à imagem das aldeias, mas sem as suas virtudes: vias sinuosas atravancadas por casas e quintinhas, sem espaços colectivos e com os serviços e equipamentos dispersos. Tal atavismo condiciona a conduta cívica, agrava a despesa pública e privada e faz crer, erradamente, que a construção em altura, a densidade e a malha urbana regrada e hierarquizada são impróprias à vida social. A “urbanização” massiva e extensiva, além de não responder às necessidades demográficas, atrofia os meios rurais e naturais, tornando-os meras áreas de passagem entre loteamentos, sem equilíbrio ecológico ou estético. Nesta paisagem sem decoro, que fantasia persegue o turismo cultural e o marketing regional?
A fixação de população, em especial quadros médios e superiores, e de investimento nas cidades da Beira Interior ocorrerá quando estas se tornarem agradáveis para viver, recuperarem os centros e disciplinarem as periferias. As autarquias têm de considerar as inquietações das pessoas e demonstrar mais talento para gerir a partir do chão. Deverão encarar a transferência para seu jugo dos Instrumentos de Gestão Territorial como uma oportunidade para redefinir a planimetria das cidades, o uso do solo e a articulação regional, com base em métodos de governação participativa. Havendo que urbanizar os costumes, quiçá seja oportuno relembrar o aforismo de Churchill, aquando da reconstrução de Londres: “first we shape our buildings and afterwards our buildings shape us”.
Por: Francisco Paiva