Ainda me recordo da primeira vez que entrei numa “Boîte” ou casa de alterne. Na minha ingenuidade ou ignorância imaginava uma discoteca (essa já eu conhecia) onde seria mais fácil divertirmo-nos com uma miúda sem grande esforço. Ninguém acredita que entrei naquele lugar de “perdição” por equívoco. Eu também não acreditaria, mas é verdade. Tinha na altura pouco mais de 16 anos.
Os meus companheiros de aventura, mais velhos, pareciam conhecer os cantos à casa. Os cantos e não só. O ambiente não era tão divertido como eu imaginava e o odor era nauseabundo, composto por uma mistura de humidade, álcool, doce e fumo de tabaco. A minha face, ainda sem barba e com algumas borbulhas irritantes, não atraiu nenhuma jovem. Ainda bem, pensei eu na minha timidez. Limitei-me a observar e a ouvir a música. Era o final de noite de uma despedida de solteiro. O noivo era um frequentador assíduo. Entre a música, as luzes, uns sorrisos maliciosos, umas mãos mais irrequietas durante a dança, nada mais me apercebi. Só estranhei o facto de ter vindo muito champanhe para a mesa e a facilidade com que desaparecia, na mesma proporção em que os meus pés iam ficando encharcados e chapinhavam na alcatifa. Ainda era de noite quando fomos comer um pão barrado com manteiga, acabado de sair do forno. Naquela noite fiquei sem entender porque razão os meus pais sempre me proibiram de frequentar aqueles “antros”. Mas o facto bem real é que nunca mais voltei, nem àquela “boite” nem a qualquer outra. O noivo, esse sim, continuou a frequentar estas casas durante muito tempo, pelo menos até ao divórcio. O cheiro do álcool adocicado, esse acompanhou-me, até tomar banho e me ver livre das meias.
Vem isto a propósito do movimento das mães de Bragança, que até foram notícia e capa da “Time”. Hoje, não sabemos se conseguiram ou não recuperar a família. Sabemos, isso sim, que conseguiram fechar as “boîtes” da zona e criar, posteriormente, uma grande satisfação nos vizinhos espanhóis. Quem se queixa são os taxistas, as cabeleireiras e as lojas de roupa do lado de cá. As ” brasileiras” e as “russas” afinal contribuíam para a economia local. Agora, ao que parece, os maridos das mães de Bragança atravessam a fronteira e contribuem para a riqueza local, do lado de lá. Os proprietários são os mesmos, provavelmente encontramos as mesmas mulheres que falam português com sotaque, os mesmos negócios duvidosos que carimbam a noite, a mistura de todas as dependências, alguns indícios de escravatura e favores sexuais.
Questiono-me frequentemente que divertimento pode ser encontrado num ambiente em que a troco de dez dúzias de euro quase se pode ter tudo, mesmo até os pés encharcados de champanhe.
O Boato
A mentira tantas vezes é contada que se torna verdade, mas confrontando o mentiroso é na maioria das vezes relativamente fácil desmontá-la, mas por vezes é de tal forma alicerçada que até os mais íntimos têm dúvidas.
O boato tem frequentemente uma motivação que vai desde o ciúme, passa pelo despeito ou pela ambição politica (ou falta dela). Mas a motivação pode nem existir, excepto a que advém do prazer de destruir.
O boato é contado na conversa de café, na cabeleireira, na esquina ou sempre que duas pessoas se encontram. Quem conta vai acrescentando algo de seu, dá-lhe um cunho pessoal, tenta aproximá-lo da realidade que julga ou pretende conhecer. Desta forma sente-se mais próximo da vítima, mesmo quando não a conhece. O boato espalha-se tal como um incêndio numa floresta em noite ventosa de Verão.
Tal como um jogador de xadrez quem o gera adivinha os lances seguintes, ambicionando dar xeque ao rei ou tão-somente pelo prazer de provocar desgaste. A vítima defende-se com todas a peças de que dispõe, atravessa o cavalo, avança com o bispo, sacrifica alguns peões, movimenta a torre em desespero. A perseguição é implacável, acabando por eliminar o bispo ou dar xeque à rainha. Na maioria dos casos o jogo termina sem xeque-mate.
Felizmente as vítimas sobrevivem ao boato, mas pelo caminho algumas peças foram devoradas.
Engana-se quem afirma que o boato tem sempre um fundo de verdade. Nem sempre é assim, não tem que ser assim.
O boato e a boate são duas instituições da nossa sociedade, de nada servem ou servem para tudo.
Por: João Santiago Correia