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A Arte da Persuasão Ou quando a carochinha não é linda nem engraçadinha

Passou, há pouco tempo, na RTP2 um programa com a chancela da BBC sobre A Arte da Persuasão da autoria do professor universitário Nigel Spivey. Trata-se de um estudo sobre o poder persuasivo das imagens e, mais concretamente, sobre como os líderes manipulam a sua própria imagem de modo a levarem as pessoas a acreditar naquilo que eles não são.

Começando por mostrar como a encenação criada para a apresentação da candidatura de George Bush júnior foi determinante para a sua vitória nas eleições presidenciais dos E.U.A., Nigel Spivey faz uma investigação sobre o desenvolvimento da arte da persuasão. Reportando-se às novas descobertas arqueológicas em Stonehenge, na Inglaterra, revelou que os restos mortais recentemente encontrados na zona pertenciam a um homem que terá chegado a Inglaterra vindo do continente europeu e se terá tornado no líder mais famoso da região, tendo sido o impulsionador ou o motivo da construção daquele monumento neolítico. Da descrição desta figura, feita a partir dos vestígios encontrados, ressalta o facto de ter usado largos anéis de ouro a prenderem-lhe as madeixas do cabelo. Na nossa era, em que os adornos cintilantes fazem parte do traje de uma grande parte das pessoas, não é fácil perceber o enorme fascínio que uns anéis de ouro enrolados ao cabelo possam ter provocado. Porém, numa época em que o ouro nunca tinha sido trabalhado e em que o sol era uma divindade, quem, senão também um deus, poderia apresentar no cabelo um pouco desse ser brilhante, luminoso que era o sol? Terá sido por causa desse homem/ deus de anéis de sol no cabelo que milhares de homens, durante milhares de anos, construíram e fizeram de Stonehenge um local de culto, um santuário de uma envergadura nunca antes imaginada.

Se este homem foi causador de grandes males ou foi fonte de grandes remédios, ou seja, se convenceu para bem ou para mal das populações, não se sabe. Mas, por volta do início da era cristã, houve alguém que, apesar das populações serem conhecedoras do seu carácter, conseguiu, com as suas artimanhas, fazer crer que era aquilo que não era e levar avante a sua ambição de poder, com as consequências desastrosas que daí advieram. Esse alguém foi Octávio César Augusto. Sendo monárquico (o que para os romanos, nessa altura, era uma modernice), sabia que, para conseguir chegar ao poder, para além do apoio dos seus partidários, tinha de conseguir também convencer os conservadores e tradicionalistas republicanos, que desconfiavam das suas intenções. Os republicanos sabiam-no ambicioso, arrogante, tirano e sanguinário. A fim de apagar a consciência desta realidade e modificar a opinião desfavorável, César Augusto decidiu forjar a sua imagem. Para tal utilizou-se da literatura e da escultura. Assim, o poeta Vergílio engendrou para ele um poema épico, a Eneida, que o descreveu como descendente dos venerados heróis gregos. A esta imagem, feita apenas com palavras, uma imagem ficcional, juntou ele uma imagem feita com pedra: a nova estátua que lhe esculpiram retirava-lhe os sinais externos de monárquico, ou seja, o cabelo comprido, substituía-lhe o ar arrogante por uma expressão de humildade, reforçada pelo pormenor dos pés descalços, e omitia-lhe o pendor sanguinário, retirando-lhe da mão a espada e acrescentando pequenas figuras representando a paz. Obliterando o passado e insinuando em si a personificação das qualidades desejadas pelos inimigos, Octávio César Augusto persuadiu, acabou com a república e instituiu um regime ditatorial que duraria cerca de quatrocentos anos.

Todo este panorama de engano nos leva a várias conclusões: que muitas decisões, são, para uma grande maioria, determinadas pelas emoções e não pelo que decorre da razão; que, para essa maioria, as emoções preenchem o presente e tendem a apagar o passado; que o presente que não tem em consideração o passado é fictício e enganador; que o futuro que provém destas decisões é determinado por condicionalismos de ordem circunstancial e não pela ideia orientadora de serviço à comunidade.

Como somos todos humanos e sujeitos aos impulsos das emoções, será desejável que, quando está em questão a escolha de uma personalidade à frente dos destinos de uma instituição local ou regional nos perguntemos: Que motivos a impelem? Move-a a vingança e a ambição pessoal ou, pelo contrário, o bem da comunidade? É honesta? É genuína a imagem em que nos faz crer? O que sabemos da sua história pessoal? A sua liderança lançar-nos-á num período obscuro onde a possibilidade de mudança será limitada por se ter apoderado dos mecanismos de informação?

Por: Luísa Queiroz de Campos

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