O título deste texto está escrito pelas paredes de todo o mundo, em todas as cores e com todos os erros alfabéticos possíveis. Em geral, a frase está direccionada a bases militares ou embaixadas e é reminiscente do velho complexo de esquerda, sobretudo da esquerda europeia, contra o “imperialismo americano”. É com alguma consternação que hoje, de esquerda ou de direita, vemos que os americanos vão mesmo embora para casa. O anunciado despedimento de 524 trabalhadores da fábrica da Guarda da Delphi, antes considerada como exemplar pela sua produtividade, não prenuncia senão o encerramento num futuro próximo.
A medida estava mais do que anunciada e o pior até foi sendo feito nas barbas da comunicação social. De um máximo de 2200 postos de trabalho, a fábrica veio a reduzir em poucos anos os efectivos até aos actuais mil. A única diferença é que agora soube-se. Era sabido, já recentemente, que algumas das marcas de automóveis que asseguravam a produção não tinham intenções de renovar os contratos. E conforme estes iam terminando, sem chegarem novas encomendas, o destino parecia cada vez mais traçado e mais negro.
O principal sinal de alarme datava já de 2005, quando a empresa mãe, a Delphi Corp., com sede nos EUA, tinha apresentado um pedido de protecção contra credores – o equivalente ao nosso antigo processo de recuperação de empresa e geralmente considerado como antecâmara da falência. Em 31 de Dezembro de 2004, a cotação da empresa (o símbolo na bolsa é DPHIQ.PK) tinha fechado a 9,02 dólares. Em 31 de Março de 2005, a Delphi anuncia um dividendo de tão só 3 cêntimos por acção (nos anos anteriores o dividendo tinha sido de 7 cêntimos por acção) e o mercado reage brutalmente: as cotações descem a pique até atingirem, em Junho, pouco mais de metade da cotação com que tinha iniciado o ano. No final do segundo trimestre, são revistas em baixa, para metade, as já baixas perspectivas de distribuição de dividendos mas, apesar disso, o preço das acções vai flutuando em redor dos 4 dólares, com subidas esporádicas. Em 12 de Outubro de 2005, as acções da Delphi Corp. atingem o mínimo histórico de 12 cêntimos de dólar por acção. Entre os investidores, é a debandada: entre 10 e 14 de Outubro, mudaram de mãos mais de quinhentos milhões de acções. Nesse mesmo mês, a 8 de Outubro, um sábado, tinha pedido protecção contra credores e apresentado um plano de recuperação no Tribunal de Falências (ver detalhes em http://delphi.com/reorganization/), o que precipitou o descalabro bolsista na segunda feira seguinte.
As medidas de recuperação tiveram o seu reflexo na bolsa. Hoje, a Delphi cota-se a pouco mais de dois dólares e a recomendação dos analistas e casas de corretores é para os investidores se desfazerem das acções. Na declaração 10K (o equivalente ao nosso modelo 22) referente ao ano fiscal de 2006, disponível em http://library.corporate-ir.net/library/10/105/105758/items/239870/dph_200610K.pdf, a história vem contada em detalhe. Depois de apresentar lucros de 437 milhões de dólares em 2002, começam a surgir os prejuízos (números antes de impostos): 116 milhões em 2003, 722 milhões em 2004, 2442 milhões em 2005 e uns colossais 5341 milhões em 2006. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, recordo que o défice orçamental do estado português previsto para 2007 é acima de cinco mil milhões de euros.
Razões para se chegar a este ponto? Muitas, uma das quais é a excessiva dependência nos Estados Unidos em relação à General Motors (aí responsável por mais de 40 por cento da facturação), ela própria em graves dificuldades. Outra é a actual incapacidade em arriscar e investir, ironicamente resultante do programa de reestruturação imposto pelos credores no Tribunal de Falências.
Posto isto tudo, haverá que contar a curto ou médio prazo com o encerramento definitivo da fábrica da Guarda da Delphi, seguido pela de Castelo Branco.
Sugestões:
Um livro: “Aqui é o Paraíso” – Uma Infância na Coreia do Norte (Hyok Kang com Philipe Grangereau, Ulisseia 2007). Aterrador. As crianças, na Coreia do Norte, aprendem na escola os feitos prodigiosos do Grande Líder Kim Il Sung e do Querido Líder Ki Jong Il. Estão convencidas de que reina o caos e a miséria no resto do mundo e que são muito felizes em comparação com os americanos ou os sul-coreanos, apesar de elas próprias morrerem de fome. Quando Hyok Kang um dia consegue fugir para a Coreia do Sul, depois de passar pela China, o Vietname, o Camboja e descobre que era afinal tudo mentira, o seu primeiro sentimento é uma terrível e prostrante humilhação.
Por: António Ferreira