A vitória de Trump nas últimas eleições americanas só pode espantar os que continuam a não perceber que quem não sabe de onde veio nunca saberá para onde ir. O que hoje se verifica é que certos líderes chegam ao poder apoiados por partidos fracos e superficiais, realmente centrados no indivíduo, isto é, no líder, em vez da política. Já muito se disse e escreveu, com mais acerto ou menos acerto, sobre aquilo que se julga que será a governação de Trump. Recordemos que Trump não venceu apenas para a presidência. Venceu também para o Senado, o Congresso e já havia vencido para o Supremo Tribunal, quando aí conseguiu instalar uma maioria vitalícia de juízes conservadores que não deverá alterar-se em muitos anos.
Desde as vinganças pessoais, o controlo sobre todos os poderes, incluindo o judicial, a remodelação geopolítica, as mudanças económicas a nível global, a simpatia por ditadores e assassinos que lideram as piores autocracias mundiais, e, principalmente, o desprezo pelas consequências das alterações climáticas, tudo se pode esperar da governação Trump.
Com Trump haverá uma administração de vingança. Um autoritarismo que, segundo palavras do próprio, não hesitará em recorrer ao exército americano contra um alegado “inimigo interno”, o qual pode ser tudo aquilo que Trump quiser. Para já, percebe-se, estão na lista negra os advogados que o incriminaram, os democratas, e outros que ele acusa falsamente de terem cometido uma fraude eleitoral aquando da eleição de Biden. Este ódio estende-se aos imigrantes, impedindo-nos de esquecer o ódio aos judeus nos anos 20 e 30 do século passado, o qual, depois da eleição igualmente democrática de Hitler, descambou na “solução final”. Para início de conversa, Trump já prometeu realizar a «maior operação de deportação» de imigrantes indocumentados na história dos EUA, que algumas fontes afirmam poderem chegar aos 11 milhões. Imaginem se cumpre…
A pergunta que qualquer pessoa detentora de uma dose mínima de bom senso faz é: Como pode alguém acusado de instigar à invasão do Capitólio, e acusado, além disso, de muitos outros crimes, chegar, com um caderno de encargos deste quilate, à presidência de um país considerado uma das maiores democracias liberais (não esquecer a Índia…) e talvez a mais poderosa do planeta?
A economia mais poderosa do mundo está, como acontece no resto do mundo, a beneficiar apenas uma pequena parte da sua população, basicamente uma elite. Nunca os ricos do mundo, e também dos EUA, foram tão ricos. A pobreza alastra por todo o lado e mais ainda nos EUA. Quem já esqueceu os milhares de americanos abandonados, a vegetarem em tendas nos subúrbios das grandes metrópoles, outrora ricas e prósperas, agora sem as indústrias pujantes que davam emprego a milhares e milhares? Hoje, com as novas tecnologias e com a deslocalização da produção para outras paragens, a miséria chegou. A elite democrata não percebeu a crise social, económica e financeira vivida no país. A indústria de guerra que alimenta os conflitos bélicos no Médio Oriente, na Ucrânia, e mais em algumas dezenas de outros locais do mundo, não conseguiu esmagar a concorrência russa e chinesa nessa área, como aconteceu na II Guerra Mundial, e alavancar suficientemente a economia dos EUA.
As guerras de hoje nada têm a ver com os materiais de outros tempos que necessitavam de muita mão de obra, na sua maioria desqualificada. Hoje, a tecnologia e o conhecimento científico estão, cada vez mais, a reduzir o número de empregos. Uma economia americana que, segundo previsões governamentais, irá ver aumentado o défice público em 64%. Segundo esses dados oficiais, o défice de 2024 vai fechar em 99% do PIB. Índice que em 2034 aumentará para 122% do PIB, ultrapassando os 106% do PIB registado em 1946, no final da II Guerra Mundial. Ora, nem Kamala Harris, nem Trump falaram algum dia sobre isto…
Para melhor compreender o que levou a população a votar em Trump nada melhor que ler uma obra recentemente publicada, “O Mundo – Uma História da Humanidade”, de Simon Sebag Montefiore, onde o autor conta a história da humanidade, desde a Pré-História até aos nossos dias, explicada através da única coisa que todos os humanos têm em comum: a família. E no final o leitor perceberá que este mundo é um lugar que não presta e em que, infelizmente, temos de viver.
O ódio, o colapso, a vingança e o pesadelo
“Como pode alguém acusado de instigar à invasão do Capitólio, e acusado, além disso, de muitos outros crimes, chegar, com um caderno de encargos deste quilate, à presidência de um país considerado uma das maiores democracias liberais (não esquecer a Índia…) e talvez a mais poderosa do planeta?”