A Rua da Veiga é uma artéria paralela à rede ferroviária, a Sul da Estação que serve a cidade da Guarda. Em virtude desta localização, em tempos claramente estratégica, ali se localizaram vários espaços de armazenagem, de serviços e indústria, aos empurrões com as antigas habitações térreas dos funcionários da CP. O traçado da rua, mais e menos estreita, beco aqui à direita outro beco ali à frente, resulta do individual sentido de “oportunidade” dos que ali se implantaram sem qualquer tipo de preocupação com o colectivo. Esta franja de ocupação é seguramente do pior que a nossa cidade conseguiu desenvolver em termos urbanos, desde a imagem dos edifícios à funcionalidade do seu conjunto e, talvez até, no que respeita às questões sociais associadas à sua segregação relativamente à cidade fluida. Mas se até agora, para além dos utilizadores frequentes da rua que desemboca junto da ETAR, apenas o masoquista viajante de comboio podia “apreciar” tão dolorosa visão, esta área passará a estar presente nos passeios dos futuros usufruidores do parque verde com que a “Polis” nos vai presentear.
Sem desprezar que as dimensões do parque permitem o passeio introspectivo entre percursos e ambientes bucólicos, agrada-me esta exposição da “Veiga” porque ela simboliza todos os “patinhos feios” da cidade da Guarda e mostrá-la é um caminho rumo à perda da vergonha deles pertencerem à família, rumo a uma nova consciência urbana que entenda a cidade como um todo.
No entanto, esta intenção é rapidamente assombrada pela percepção de que as consequências de se ter ignorado a complexa existência da “Veiga”, aquando da definição da área de intervenção do PP do Parque Urbano do Rio Diz, não foram devidamente ponderadas. As construções estavam lá, amontoando-se em formas e funções, barracas e barracões, aparentemente periféricas e sem importância. No entanto, a sua localização ficou claramente favorecida pela evidente e positiva transformação gerada pela construção do Parque Urbano, pelo que dele serão pertença sem lhe pertencerem. Já se fala, inclusivamente, na possibilidade de o terreno actualmente ocupado pela Delfai, cujo encerramento parece ser inevitável, poder vir a perder o uso industrial a favor de uma zona habitacional.
Nesse sentido, e sugerindo que se avance um pouco mais rápido com o processo de percepção dos problemas da cidade, não seria mau começar já a pensar, em pormenor, na melhor forma de abordar a questão da transformação da ocupação do solo naquele local. Parece-me lógico que se a autarquia não o faz rapidamente, os privados se encarregarão de o fazer, como tem sido tradição na história do urbanismo recente. Como? É fácil: loteamento para o terreno da Delfai, demolição de armazém para construção de “Edifício Veiga II”, demolição de conjunto de barracões para construção de “Edifício Veiga III”. Isto tudo sem que exista uma única discussão sobre a relação entre as várias operações urbanísticas, sem que se estruture o espaço público, sem que se definam tipologias, sem que salvaguarde a comunidade local. Em resumo, mais do mesmo, com eventuais melhorias na imagem arquitectónica individual e na componente de promoção. A autarquia pouco poderá fazer para contrariar esta natural transformação caso não actue em conformidade com as competências que o Decreto-lei 380/99 lhe atribui no que respeita ao ordenamento do território municipal.
Por: Cláudia Quelhas