Numa altura em que a Assembleia Municipal se debruça sobre as estratégias de desenvolvimento para o concelho da Guarda e sabendo, à partida, que um concelho nunca se desenvolve por si só, estando intrinsecamente ligado ao distrito em que se insere e este ao país, dois aspectos há a considerar, um lançando um olhar para o passado, outro para o futuro.
Voltando-nos para o passado, quando, há uns tempos, vimos a estátua de D. Sancho ser deslocada na Praça Velha para uma posição lateral, talvez não tenhamos pensado que era um sinal dos tempos, um sinal irónico. D. Sancho I, o Povoador, apostou em trazer pessoas para as zonas mais despovoadas, o que constituiu a sua estratégia para ajudar a manter a posse do território e dar sentido existencial à nossa identidade geográfica. Daí que se tenha empenhado na criação de condições que permitiram às pessoas viverem nas inóspitas regiões montanhosas. No século XXI, porém, tal como a estátua, as medidas de investimento no interior estão a ser relegadas para segundo plano e a ser progressivamente negligenciadas.
Assistimos ainda, felizmente, à construção das SCUT’s, que claramente favorecem a metade oriental do país. A partir daí nada mais. Tem sido muito difícil conseguir manter estas vias sem portagens e o que temos visto é, pelo contrário, toda uma série de políticas de contenção económica que atentam contra o que deveria ser uma política de discriminação positiva em relação a toda esta zona, uma estratégia completamente assumida e articulada entre o poder central e as autarquias.
Em primeiro lugar, essa política deveria apostar em condições básicas de saúde e de educação. Os hospitais distritais têm de ter uma pluralidade de valências que permitam uma quase total auto-suficiência. As escolas têm de ser de qualidade e há que ousar apostar nas de cariz internacional. Não esqueçamos que o mercado de trabalho não é só nacional e já não se pode educar para a permanência, mas sim para a mobilidade. Sem uma rede de boas escolas a região não conseguirá atrair quadros superiores, uma vez que estes desejam sempre, muito naturalmente, boas condições para as suas famílias. A ser assim, seria mesmo possível, no concelho da Guarda, instituir um centro de investigação científica a nível europeu – por exemplo, um centro de investigação de Física Quântica, que não requer grandes recursos financeiros.
Em segundo lugar, essa política deveria apostar na criação de uma zona livre ou protegida em relação a impostos, que possa, por um lado, trazer mais indústria e arranjar novos postos de trabalho e, por outro, fazer reviver a agricultura e aumentar a produção.
Em terceiro lugar, deveria proceder a uma intervenção específica em questões como a certificação e a divulgação dos muitos produtos da região ainda não certificados, desde os enchidos (da Guarda a chouriça, a farinheira e o presunto; do Jarmelo a morcela doce; da zona raiana o presunto e a farinheira com canela) ao azeite, passando pelo queijo da Malcata, pelos vários tipos de doces (da Guarda a compota de abóbora, os biscoitos, a bola da Páscoa e a bola de manteiga e canela; de Escalhão os biscoitos; de Trancoso as sardinhas doces; de Pinhel as cavacas), pelo pão de centeio da Guarda e do Sabugueiro e pelo artesanato tradicional (de Gonçalo a cestaria; de Maçainhas as campainhas; de Verdugal as facas; da zona do Jarmelo as mantas de trapos; de Manteigas as mantas de lã; dos Trinta os cobertores de papa).
Também teria de haver um esforço na promoção do turismo nas aldeias históricas; temos o ar com melhor qualidade do país que, juntamente com as termas, poderia ser aproveitado para estâncias de saúde e de lazer; temos sol e vento para apostar em força nas energias alternativas; temos terras para florestar.
A segurança física e a sanidade mental das pessoas constituem outro dos vectores em que apostar. Para tal deve-se intervir no sentido de criar condições para a formação cívica dos jovens e a ocupação produtiva dos tempos livres, com a oferta de actividades de trabalho voluntário na comunidade e de intervenção activa na defesa da vida do planeta.
Mas há que lançar ainda um olhar para o futuro mais longínquo. Segundo um artigo acabado de sair a 11 de Março no Sunday Times, delineia-se um destino trágico para a grande maioria do território nacional. Um cientista de Oxford prevê que, continuando o aquecimento global a aumentar como até aqui, no fim do século XXI, Portugal, e a Espanha também, ficarão reduzidos às terras altas. O que mais uma vez será irónico. A concretizar-se esta previsão, a migração actual da população em direcção à costa vai mudar e ser seguida de um regresso forçado ao interior. E, se bem aproveitada, até esta previsão poderá servir de publicidade a uma estratégia de desenvolvimento tanto do nosso distrito como de toda a metade oriental norte de Portugal. Quem sabe se a Guarda não virá a ser se não a capital, pelo menos a segunda cidade mais importante da Península Ibérica?
Por: Luísa Queiroz de Campos