3. Património e Turismo
O Século XX gerou fluxos de pessoas sem paralelo noutro momento histórico. Estes fluxos não são homogéneos e dependem de muitos factores entre os quais, a par do lazer, assume crescente relevo o afã patrimonialista – o “moderno culto dos monumentos”, diz Riegl – e cultural. O património compreende cada vez mais, além do construído e das obras de arte, a beleza natural e a memória dos lugares. Estes factores, combinados com as razões apontadas no artigo anterior, contribuem para uma crescente inibição da actuação contemporânea na conservação, na recuperação e na criação ex novo. Consequentemente, o vasto léxico dos programas “re” (reabilitação, revitalização, restauro, reconstrução, etc.) tem de se articular com as preocupações de sustentabilidade.
O turismo globalizado e o “tempo livre” estão submetidos a princípios fordistas análogos aos que organizam o trabalho. Trata-se de um negócio de interface, de venda de cenários, réplicas e simulacros; tanto faz, o importante é coleccionar destinos, com a certeza de que todos oferecem um franchising familiar, um vestígio de civilização. As agências de viagens vendem “sensações”. A peregrinação medieval deu lugar ao tour de massas, progressivamente encarado como um bem de consumo. A utopia da evasão, a interrupção da rotina e a busca de aventura são hoje o móbil, mais que o simples ócio ou o fascínio filantrópico pela ruína. Este fenómeno, de génese romântica, foi fortemente influenciado pelo desenvolvimento dos transportes para as estâncias de veraneio (praias, termas, casinos, etc.) e distingue-se do turismo de montanha, de génese terapêutica, contemplativa e, mais tarde, desportiva.
4. Aldeias ou Aldeamentos
Estes dois conceitos, aparentemente sinónimos, aludem a duas realidades distintas: as aldeias não são aglomerados monofuncionais nem temáticos, acolhem a vida quotidiana, embora nelas possa haver fenómenos de sazonalidade; os aldeamentos são o seu negativo, situando-se entre os paradigmas da disneylandia e do condomínio. Neste capítulo, urge olhar para as aldeias (ainda) povoadas das faldas da serra e da raia, não necessariamente “históricas”, sob pena de se desenvolver um modelo de turismo de resort, desligado da envolvente e descartável: os outrora destinos turísticos de massas, mesmo em Espanha, começam a discutir a “pós-ocupação”, promovendo concursos de ideias e a reprogramação funcional das estruturas obsoletas; só o Algarve parece irremediável.
Os aldeamentos tentam juntar na menor área o maior número de pessoas, preferencialmente no rés-do-chão. São aglomerados desinteressantes e estereotipados que se estendem e reproduzem, qual maré-negra, têm uma manutenção exigente, morosa e ambientalmente insustentável. Embora reveladores, são especialmente preocupantes os louvores de responsáveis públicos a este modelo, há muito ultrapassado, especialmente quando surgem por toda a Europa, em contraponto a esta tipical e frenética ocupação dos espaços naturais e rústicos, as aldeias e vilas “lentas”. O turismo de montanha não é incompatível com a vida e o alojamento em meio rural e urbano. Pelo contrário, deve ser estimulada a interacção entre o turista e o autóctone como meio de enriquecimento mútuo, não somente mercantil.
Por: Francisco Paiva *
*Arquitecto e Docente da UBI (ftapaiva@gmail.com) – Fevereiro de 2007