Ao ler o título deste álbum – Soul Organism State -, uma questão se levanta no meu espírito: será a “soul” a mãe de todas as músicas? Poderá este estilo de fazer pop, pertencer à parte intrínseca do organismo que não se mede, não se analisa e apenas se sente? A história tem numerosos factos que fazem tender a resposta para o “sim”. Não terá sido por acaso que nos anos 60 se cantou “Dancing In The Streets”, e afinal, o ser humano não consegue resistir a um bailarico, a uma forma de expressão musical popular que faça impelir o corpo para a dança, seja num arraial, festa popular ou até na mais sofisticada discoteca. Por outro lado, a canção com mais ou menos ritmo, foi, ainda é, forma de exprimir alegrias, tristezas, é usada como estímulo para o trabalho físico e até para expressar credos de fé. E portanto, tudo isto sai da alma. É matéria orgânica sentimental.
Mas, os exemplos de fontes de inspiração vindos “da alma”, estão presentes em toda a existência pop. O mais camuflado, mas muitas vezes confesso, é o caso dos Beattles. Afinal, eles foram a primeira experiência do intitulado “northen soul”, já que com o porto de Liverpool, puderam ter acesso às primeiras novidades vindas sobretudo da “Motown”. E depois, já a caminhar para o final do Século XX, foram de duas das mais importantes cidades de música negra, Detroit e Chicago, que o futuro, tal como hoje o conhecemos, surgiu com o “techno” (Detroit) e o “house” (Chicago). E mesmo no limiar do Século passado, a “soul” esteve na origem de uma nova forma de compor canções pop, recorrendo à experiência “contemporânea popular” do hip-hop, e este já se sabe a qual matéria-prima recorreu. Hoje, por exemplo, é muitíssimo comum no neo-folk, encontrar riachos de electrónica no meio de melodias lindas, e isso deve-se ao “trip-hop” dos primeiros trabalhos dos Massive Attack e Portishead.
Após os dois parágrafos anteriores, não pretendi demonstrar que a “soul” é de facto a “mãe de todas as músicas”, mas os factos apresentados são indesmentíveis, e, portanto, para alguns, realmente há música que pertence ao organismo, tornando-se uma obrigatória forma de vida. O que parece ser o caso de Stefan Juragmain, já membro dos Mum, e por isso agora junta o sufixo “mer” – daí “Mummer”.
Creio então já não existirem dúvidas da música encontrada em “Soul Organism State”. A canção soul com arestas ligeiramente por limar, para lhes conferir arrojo estético, contornos jazz , “spoken-word” e ainda “blues”. No fundo este álbum dos Mummer é uma síntese de experiências feitas ao longo dos anos, mas que ficaram confinadas ao seu espaço, por muito boas que tenham sido, faltando o grau de fusão soul para se avançar na história. Assim “Soul Organism State” traz o ritmo de “Rhytmic Alterated State” de Ras (onde também haviam blues), recupera a canção perfeita de travo soul\jazz de “Is You Is” dos Micatone, onde faltou uma pontinha de nervo, e a electrónica dos Sonoluce que esteve a um passinho de pode fazer história tivesse enveredado pela composição soul. Conclusão: “soul\gospel” para o Século XXI.
Por: Paulo Sebastião