Como se diz em gíria, este artigo vai ser escrito a dois andamentos: um porque ainda não sei o resultado das eleições, e outro porque quando souber já não alterarei uma vírgula ao que escrevi.
Em qualquer período eleitoral vem-me sempre à memória a máxima de Hegel, «nós aprendemos com a história o que não aprendemos com a história». Na realidade a cada ato eleitoral que vamos tendo, e felizmente já ando nisto há quase cinquenta anos, os intervenientes são diferentes, mas os lugares comuns são a cada ano piormente iguais.
Uma das situações que sinceramente mais me irrita, e não é de agora, é o continuado apelo ao voto útil por parte dos líderes dos partidos da alternância em Portugal, o PS e o PSD, que perpetuam um sistema de representatividade completamente desadequado da realidade do país de há décadas. O “Voto é a arma do povo” foi o primeiro slogan para as eleições democráticas de 25 de Abril de 1975, que elegeram a Assembleia Constituinte, que elaborou o texto constitucional que legitimou o Estado democrático. Ao tempo votámos com entusiasmo, e a obra final que se perpetua é boa, apesar de constantes atropelos por parte de algumas forças que prefeririam uma «democracia musculada» ao invés da democracia participada.
O voto do cidadão tem que ser sempre útil e urge que as pessoas sintam utilidade no ato mais nobre da sua vida coletiva. Se a legislação prevalecente faz com que mais de 700.000 votos dos cidadãos sejam para ser atirados para o “caixote do lixo da história”, isso é outra coisa. Votar em consciência em determinados territórios em Portugal, ou melhor na maioria dos concelhos do país, é quase um perder tempo, porque os escolhidos são sempre os mesmos partidos. Urge modificar isso, e seria objetivamente excelente para combater efetivamente a abstenção nos territórios de baixa densidade.
Copiar o modelo alemão, e outros na Europa, e fazer um círculo de compensação, o que daria maior visibilidade a outros partidos, e não “aos que são mais do mesmo”. A experiência dos Açores é um modelo replicável para o resto do país e assim os votos das pessoas que não alinham com os partidos do poder deixam de ser “clandestinos”.
Quando há quase 50 anos se fez a legislação eleitoral para o Parlamento, ou para as autarquias, a dispersão populacional do país não era tão evidente e a disparidade entre as regiões não sofriam de tanta assimetria. Hoje importa alterar o estado das coisas para se poder acelerar modelos de desenvolvimento nacionais e locais mais consentâneos com um futuro mais moderno.
Uma das alterações fundamentais a fazer é no quadro das autarquias locais, onde a presença dos presidentes de Junta que não são eleitos pelos cidadãos que elegem metade dos deputados municipais é um disparate consentido. Eu percebo a lógica da criação das Assembleias Municipais, e que foi objetivamente o de dar voz e alguma dignidade aos presidentes de Junta de Freguesia. A realidade é que a AM hoje tem tudo menos dignidade democrática. Um candidato a deputado municipal com um milhar de votos é preterido por um presidente de Junta de Freguesia eleito por 120 votos, por exemplo. Urge acabar com este anacronismo, que favorece o caciquismo, em que o representante de uma Junta de Freguesia, dotada de autonomia financeira e administrativa, vai votar o orçamento e plano de outra estrutura à qual não há ligação nenhuma em termos orgânicos.
O modelo de copiar o figurino da Assembleia da República para a Assembleia Municipal seria o desejável, em que o presidente da Câmara fosse o cabeça de lista da estrutura política mais votada e escolheria os seus vereadores sem se cingir à lista que levou a votos. À AM seriam dados poderes maiores, incluindo a possibilidade de destituir o executivo. As Juntas de Freguesia seriam agrupadas numa estrutura do tipo Conselho Municipal, com poderes reforçados e que ficassem entre o órgão de consulta e a obrigatoriedade de serem aceites certas recomendações.
Julgo que é um bom tema para debate, e aqui estão algumas imperfeiçoes da minha parte. Gonçalo Manuel Tavares foi recuperar um poema de Brecht: «Pois não seria mais fácil que o governo dissolvesse o povo e elegesse outro».
Já agora, a única coisa útil em eleições é o voto!
O voto útil
“O modelo de copiar o figurino da Assembleia da República para a Assembleia Municipal seria o desejável, em que o presidente da Câmara fosse o cabeça de lista da estrutura política mais votada e escolheria os seus vereadores sem se cingir à lista que levou a votos. “