Tínhamos muitas certezas sobre como tornar o mundo melhor. Esforçámo-nos por fazê-las compreender aos outros e lutámos por elas. Foi assim nos tempos após a Revolução de Abril. Talvez porque éramos jovens tudo nos parecia possível, bastando apelar à racionalidade e colocá-la no caminho da acção. À custa dessa racionalidade cometemos alguns excessos porque, verificaríamos posteriormente, as soluções nem sempre podiam ser concretizadas nos termos simples e no prazo curto em que as queríamos tornar reais. Mas continuámos a acreditar nelas. Na paz, no pão, na saúde, na educação, na igualdade de oportunidades… para todos – como dantes. Apenas as incertezas de como o fazer se foram enraizando.
Com o tempo voltámos a encontrar o nosso centro de gravidade como cidadãos do nosso país, agora definitivamente democrático, e passámos a perceber que as soluções dependiam da vontade de todos e não apenas da nossa energia e boa vontade juvenis. Com olhos a abrangerem um horizonte alargado, tentámos ajustar a nossa racionalidade ao tamanho do mundo. Porém, tudo se tornou cada vez mais impossível de entender porque também tudo se tornou cada vez mais irracional. As desigualdades entre ricos e pobres agravaram-se e a fome e a doença alastraram avassaladoramente; o cuidado com o ambiente foi negligenciado apesar dos alertas dos cientistas e das organizações que lhes deram voz; muitos governos tornaram-se cegos no seu desrespeito pela lei internacional; a violência e a insegurança aumentaram. Paradoxalmente, num mundo mais sabedor, porque mais conhecedor das ciências, das tecnologias e das emoções humanas, a qualidade da vida diminuiu para todos.
Para entendermos este paradoxo procurámos respostas em paradigmas de política e de economia. Nada o explicava. Foi assim que o surgimento da série de conferências promovidas pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre “O estado do Mundo” (e a publicação de um livro com o mesmo nome) veio acalentar a esperança de resposta à urgência em perceber o que se passa na Terra onde agora habita o homo sapiens sapiens.
Como sei que as minhas preocupações são, felizmente, também as de muitos outros, resolvi partilhar o que ouvi na primeira dessas conferências.
O presidente da Fundação, Rui Vilar, começou por enquadrar o pensamento contemporâneo entre a falta de racionalidade e o desencanto com a utopia, apelando à necessidade de se ir para além do prudente cepticismo por se revelar pouco produtivo. A ideia de que o paradigma para compreender o mundo deverá ser social e centrar-se à volta da cultura foi continuada por Homi Bhabha, professor da Universidade de Harvard, cuja identidade nacional híbrida (entre a indiana e a iraniana/persa) faz dele a personificação do homem de hoje e, cada vez mais, do futuro. A interculturalidade e a necessidade de entendimento do hibridismo cultural estão, de resto, na base de todo o seu pensamento, como chave para a paz entre os povos. O discurso assentou em três assuntos principais. 1 – “A interlocução internacional”: perante a consciência da inconsistência de posições e da ambivalência das nossas opiniões face ao que se passa (ex.: adoramos e detestamos os E.U.A.; o facto de os homens que atacaram o World Trade Center serem contra o ocidente mas terem usado a tecnologia aí desenvolvida), há que acreditar que é possível aspirar a uma situação melhor, não através do pensamento utópico mas do desejo de interagir com a confusão do presente e do futuro; para tal é preciso universalizar o direito a dizer/falar/narrar juntamente com o direito a ser ouvido porque o que cada um (com a sua cultura) tem a dizer é digno de ser ouvido; democracia é debater o que é justo e o que é justo é encontrar o que está certo. 2 – “O cosmopolitismo vernáculo”: igualdade não significa neutralização e há que estabelecer o direito à diferença dentro da igualdade, a fim de contrariar as políticas de morte social ou política (ex.: as vozes dissonantes dentro dos partidos políticos que são marginalizadas; as sociedades onde a presença activa da mulher é silenciada ou proscrita). 3 – “A dúvida global como base de uma ética global”: se a globalização, que é o momento de transição actual, cria todo o tipo de problemas existenciais, ambivalências, incertezas, ansiedades, indecisões, é necessário colocar a dúvida como base para o progresso e criar uma linguagem que se desenvolva através dessas contradições políticas.
Além desta, estão calendarizadas outras conferências ao longo do ano que aguardamos com expectativa. Espero que outros possam delas aproveitar.
Por: Luísa Queiroz de Campos