«Um completo disparate». É deste modo que a Associação dos Amigos da Serra da Estrela reage ao projecto de reestruturação do Instituto de Conservação da Natureza (ICN), que, entre outras medidas, poderá provocar a dispensa de 41 por cento dos funcionários e a fusão de direcções de áreas protegidas. O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) não escapa e a sua direcção deverá ser extinta, passando a estar integrado no departamento de Áreas Classificadas de Montanha juntamente com outras áreas protegidas.
De acordo com o “Jornal de Notícias” do passado dia 11, o documento de trabalho prevê a redução do pessoal do ICN de 740 para 436 funcionários, uma maior centralização de serviços, a despromoção dos directores das áreas protegidas, a fusão das suas direcções em departamentos e a redução da capacidade de intervenção no terreno. Segundo o projecto, o PNSE ficará integrado no departamento de Áreas Classificadas de Montanha com o Parque Nacional da Peneda Gerês e os parques naturais de Montesinho e do Alvão, bem como as reservas do Açor e do Corno do Bico. Apesar de passar a ter sob sua gestão mais de 253 mil hectares, em zonas distintas, este departamento contará apenas com 26 funcionários – entre os quais o director, um chefe de unidade, dois elementos de secretariado, 15 técnicos superiores e três vigilantes por cada 15 mil hectares. Já o Parque Natural do Douro Internacional e a Reserva Natural da Malcata integrarão a Área Classificada do Interior, em conjunto com mais três áreas protegidas (S. Mamede, Guadiana e Tejo Internacional). Poucos dias antes, em declarações à Lusa, João Menezes tinha minimizado a proposta de reestruturação, dizendo tratar-se «apenas de um documento interno de trabalho». Contudo, realçou que «é impossível continuar a despachar com 35 pessoas», referindo-se aos directores de áreas protegidas e outros dirigentes.
Para José Maria Saraiva, vice-presidente da Associação dos Amigos da Serra da Estrela (ASE), a junção de várias áreas geridas por um único director é «um completo disparate e gravoso», contesta, realçando que se trata de uma proposta «economicista». O dirigente considera «estranho» que só passados 32 anos da fundação do ICN é que o seu presidente «vem dizer que é uma dificuldade despachar com 35 directores». O que, na sua opinião, revela que «ou esteve desatento até agora ou há uma excessiva centralização em Lisboa».
«Lisboa quer fazer a gestão das áreas protegidas via internet»
Também a possibilidade de poder haver apenas três vigilantes por 15 mil hectares merece reparos da ASE, uma vez que a associação «quer saber qual o número mínimo para as áreas mais reduzidas», sendo que um não poderá ser «porque os vigilantes têm folgas». De resto, José Maria Saraiva não tem dúvidas de que, caso o PNSE deixe de estar sediado em Manteigas, a sua área vai ficar «mais desprezada». Até porque o parque já possui um quadro de funcionários «altamente deficitário e caso a proposta de reestruturação vá avante ficará pior ainda», avisa, recordando que há apenas um biólogo para 100 mil hectares e nenhum geólogo. Por último, em tom irónico, atira uma “farpa” à presidência do ICN: «Não sei se Lisboa quererá fazer a gestão das áreas protegidas via Internet», critica.
Também Ricardo Nabais, dirigente do Núcleo Regional da Guarda da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, vê com maus olhos a redução do número de funcionários do PNSE: «São mais pessoas que vão para o desemprego e o parque ainda vai ficar pior do que já está. Se está mal actualmente, porque não há verbas, pior será daqui para a frente», garante. “O Interior” tentou obter um comentário de Fernando Matos, mas o director do PNSE escusou-se a prestar declarações por ainda não ter conhecimento oficial da proposta de reestruturação. Também José Manuel Biscaia, presidente da Câmara de Manteigas, não quis comentar por não ter elementos sobre o assunto.
Ricardo Cordeiro