Não temos governo, mas vamos ter orçamento no final deste mês. Vamos ter governo lá mais para maio e um orçamento retificativo em junho, se ganhar o PSD. Até finais de novembro vai ser a discussão das minúcias: quem recebe mais, quais os impostos que sobem e em que medida, que despesas concretas vão ser feitas, como vai ser, no fundo, distribuído o dinheiro que houver e de onde vem esse dinheiro.
Um pormenor inquietante é que neste momento todos os partidos, incluindo o PS, estão na oposição. Vão todos, por isso, ter a tentação habitual dos partidos da oposição: aumentar a despesa, satisfazendo sindicatos e clientelas, e diminuir a receita, baixando impostos e taxas. Se um disser “mata”, os outros, em coro, vão berrar “esfola”!
Os professores vão recuperar a carreira, como preparação para futuras reivindicações salariais, os médicos vão ter aumentos substanciais na retribuição e, por arrasto ou respeito ao princípio da igualdade, todos os outros funcionários públicos, das carreiras especiais ou comuns. As razões serão muitas e todas elas são válidas: tiveram carreiras congeladas, a inflação diminuiu-lhes o poder de compra, a crise na habitação e a subida tas taxas de juros encareceram a aquisição de habitação própria e destruíram o mercado de arrendamento. É claro que irá haver uns velhos do Restelo a alertar para os efeitos na inflação de uma subida generalizada de salários, mas isso fica para depois.
Entretanto, todos descobriram que se pagam entre nós demasiados impostos. Há que corrigir, por isso, escalões do IRS, aumentar as isenções, ajustar tabelas de retenção. Não esqueçamos também as “taxas e taxinhas”. Que baixem portagens, taxas de justiça e quejandos.
Esperem aí! Não estamos a diminuir a receita e a aumentar a despesa? De onde virá o dinheiro? Não há problema, dirão todos em coro, podemos sempre taxar os lucros excessivos da banca! Não vale a pena dizer que os lucros da banca, como os da generalidade das empresas, são taxados pela aplicação de uma percentagem e, por isso, se os lucros forem elevados o imposto também o vai ser. Não vale também a pena recordar que se houver subida de impostos para certas empresas, terão de subir também para as outras.
Chegados aqui, alguém se vai lembrar que se o orçamento implicar um défice, este vai ter de ser coberto com dívida, mas não adianta. Défice e dívida são normais, vão todos dizer em coro, e agora não só há superavit como temos a cotação da República com prognóstico favorável em todas as agências de notação (aquelas que uns iluminados quiseram há uns anos meter em tribunal por crimes contra a humanidade).
Outros velhos do Restelo vão perguntar se é razoável tudo isto quando temos de lidar com duas guerras, uma inflação ainda elevada, incertezas e dúvidas mais do que legítimas por todos os lados. Não adianta de nada. O grande leilão de ofertas para este orçamento e para o retificativo do ano que vem tem a mesma causa do sarilho em que estamos metidos: há 21 mil milhões do PRR para gastar e todos querem ter a oportunidade de os distribuir.
Tudo, a toda a gente e ao mesmo tempo
“Um pormenor inquietante é que neste momento todos os partidos, incluindo o PS, estão na oposição. Vão todos, por isso, ter a tentação habitual dos partidos da oposição: aumentar a despesa, satisfazendo sindicatos e clientelas, e diminuir a receita, baixando impostos e taxas. “