O vestígio mais marcante que os seres humanos deixaram no Feital, uma pequena aldeia do concelho de Trancoso, foram os abrigos dos pastores que se espalham por toda a serra. No entanto, mais de uma centena de construções de granito, conhecidas por casotas ou casinhas, estão em risco de desaparecer. Tudo porque os vizinhos espanhóis continuam a carregar pedra “maneirinha”, ao ritmo dos camiões fretados por intermediários que enriquecem, ou não, à custa da venda deste património beirão. Para tentar travar esta “exportação” indesejada, muito em breve vai ser apresentada na Assembleia Municipal de Trancoso uma proposta para classificar os abrigos dos pastores como Património de Interesse Municipal.
António Lino, natural do Feital, há muito que se dedica ao levantamento deste património. Tudo começou com uma brincadeira. «Estava a ajudar o meu sobrinho a fazer um trabalho para a escola», recorda, e na altura, em 1995, fotografaram 22 abrigos de pastores na Serra do Feital. Mas ficou o “bichinho” e, dois anos depois, já tinha identificado mais de uma centena. Algumas das casotas ou casinhas fazem-nos recuar vários séculos até às civilizações castrejas de há mais de dois milénios. A arquitectura de algumas delas «pode muito bem ser uma cópia fiel das antigas construções do Castro da Feiteira, que esteve na origem do Feital», avança. A sua função primordial e actual é abrigar os pastores das intempéries quando se encontram no campo. Apesar de hoje também servirem para guardar as ferramentas da lavoura ou para abrigar da chuva os agricultores. A maioria delas têm a abertura virada a nascente: «Recebem os raios do sol que aquecem o seu interior, os flancos protegem das chuvas predominantes de Sudoeste e do vento de Noroeste, enquanto a retaguarda afasta o calor do Verão», explica. No entanto, actualmente há poucos rebanhos, um cenário muito diferente de há 50 anos atrás, quando «quase toda a gente tinha cabras», recorda António Lino.
A área de distribuição destes abrigos abrange a zona serrana da freguesia de Feital até Vale de Mouro e Broca, prolongando-se pelas serras de Vilares e Vila Franca até onde se estendia a actividade dos pastores daquela aldeia. «Já identifiquei dezenas de casas», desde Garcia Joanes até ao Alto do Feital, como em Corgos, Quinta das Eiras ou Penedo da Vila, entre muitos outros, exemplifica. A qualidade da construção varia conforme o tipo de pedras do local em que se encontram e da habilidade dos pastores “pedreiros” que as construíram. «Um dos últimos construtores destas casas foi o senhor Manuel Pena, pedreiro de profissão», revela António Lino, que, além de muitas centenas de muros em pedra, construiu vários abrigos, «deixando o último inacabado, já nos anos 70», por ter cegado devido à sua profissão.
Abrigos para todos os gostos e feitios
«O maior é quase do tamanho de uma sala» e fica a caminho de Vila Franca, para quem vai do Feital, indica. Em tamanho, as “casinhas” variam do abrigo para uma simples pessoa e, nalguns casos, de miniaturas construídas por jovens pastores que se treinavam para pedreiros. Outros ultrapassam os dez metros quadrados de área interior e podem abrigar duas dúzias de pessoas. O estilo também é variado. Há construções com um curral ou uma janela, para o pastor vigiar o rebanho, enquanto outras têm um banco de pedra, para abrigar o guardador de cabras ou ovelhas. Mas há mais pormenores, tal como as edificadas em forma de “L”, suportadas por um muro ou um barroco, ou aquelas que fazem lembrar os “iglos” do Pólo Norte. «Imagino que algumas já tenham centenas de anos», estima António Lino, enquanto folheia mais umas fotos nos seus catálogos. «Esta aqui já não existe. Outras estão a ser destruídas, porque as suas pedras estão a ser levadas para Espanha, principalmente as que estão mais próximas de muros», alerta o fotógrafo amador. Por isso, um representante do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) já esteve no terreno durante o Verão e prometeu proteger aquele património histórico. Daí que, muito em breve, seja apresentada à Assembleia Municipal de Trancoso uma proposta para classificar os abrigos dos pastores como Património de Interesse Municipal.
Patrícia Correia
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