O mundo está que não se pode. De repente, começou a chover desalmadamente, e o país que suspirava por água, chora agora pelas inundações. Os impostos parece que vão descer, mas diz que os impostos vão aumentar. O Pedro Nuno Santos tem uma homilia semanal na televisão.
E no meio das manifestações que se multiplicam pelo mundo todo, onde as pessoas gritam pela paz e pelo gaseamento de judeus, o povo assiste e assusta-se com as guerras. É a invasão da Ucrânia pela Rússia, é o massacre de judeus pelo Hamas, são os insultos de Catarina Furtado a Joana Amaral Dias.
Segundo uma linha de raciocínio muito em voga nas redes digitais e nas academias, a culpa é (sempre) dos judeus. Seja um agricultor num “kibutz” ou o presidente em Kyiv. Os judeus (e os putativos amigos americanos) é que causam sempre a sua própria desgraça. Já no século XVI em Portugal, no século XVII em Itália ou no século XX na Alemanha se tinha percebido que os judeus são perseguidos, expulsos ou exterminados por serem como são. Há limites para se viver essa identidade.
Uma coisa é “ser eu próprio” no “Big Brother” da TVI. Outra coisa é “ser eu mesmo” na sinagoga em Telavive. Outra ainda é “ser como se é” na passerelle do concurso Miss Portugal. Sobre todos estes assuntos, há discussões intermináveis sobre diferentes opiniões e posições de princípio. Quem é que está a defender a sua terra no Donbass, os ucranianos ou os separatistas pró-russos? Quem é que ataca e quem é que (não) se defende, o exército israelita ou o Hamas? Quem é que ganhou o concurso de Miss Portugal, um homem ou uma mulher?
Mas a maior batalha de todas, a mais horrível, entre palavras ferozes e bloqueios férreos, aquela que determinará o futuro da civilização e da humanidade não se trava em Donetsk ou em Gaza. A pior de todas é a guerra no Twitter.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia