Sociedade

Memórias da Rádio…

Aragonez
Escrito por Hélder Sequeira

Na anterior edição deste jornal escrevemos que a Rádio Altitude é uma emissora associada a muitas vozes e rostos, a sonhos, diferenciados contributos, afetos e ideias. Hoje evocamos alguns nomes.
A ligação de Abel Virgílio à Rádio Altitude começou em 1967 quando foi convidado por Emílio Aragonez para com ele editar o programa “Desporto Regional”, «após a saída dos saudosos amigos Madeira Grilo, Luís Coito e Luís Coutinho. Acompanhávamos o desporto regional nos três distritos da Beira Interior, mas com maior incidência no da Guarda». Como nos disse Abel Vergílio, além de inúmeras reportagens de exteriores de índole regionalista, política, social, cultural e religiosa que assegurou para a Rádio Altitude, produziu com João Trabulo e Joaquim Fonseca, um programa semanal do regimento militar sediado na Guarda, “A voz do Doze”.
António Arede é um outro nome profundamente ligado à Rádio Altitude, «desde finais de 1973 princípios de 1974… Recordo-me que o meu programa, gravado, começou ainda no tempo da censura». O seu trabalho ganha mais amplitude em 1976. «Eu ficava fascinado com a forma como se trabalhava… As gravações dos RM’s (registos magnéticos) na “Ferrograph” (máquina profissional de fita magnética), onde se inseriam sem qualquer critério de importância de alinhamento as gravações a incluir nos noticiários da RA. Foi reformulada a redação, talvez pelo ano de 1977/78, e foi criada uma redação em Viseu. Na altura tomávamos conta das notícias o Helder Sequeira, o Francisco Carvalho, o Emílio Aragonez, o António José Teixeira e eu. Viseu enviava um pequeno noticiário com notícias da região que era inserido no noticiário das 12h30. Como a Rádio emitia em Onda Média, ouvia-se bem na região de Viseu, o que justificou a criação de uma segunda redação».
Sandra Ferreira, outro dos rostos da rádio, começou muito mais tarde a colaborar na RA, quando tinha 16 anos. «Na altura, abriu um concurso para recrutar novas vozes e decidi concorrer. Acabei por ser selecionada como animadora de emissão», como nos recordava há alguns meses. «Foi na Rádio Altitude que dei os primeiros passos que me conduziriam à profissão de jornalista, embora nessa época tencionasse formar-me em Psicologia», acrescentou Sandra Ferreira.
Por seu turno, Carlos Martins começou mais cedo a sua ligação a esta estação emissora. «Na rádio fiz sempre o que gostava de fazer. Senti-me realizado. A grande marca teve a ver com as pessoas que faziam a rádio… Uma grande família». Hoje, afastado desse meio, considera que «uma rádio sem pessoas que a escutem é uma rádio com fim à vista». A sua ligação inicial surgiu através do programa “Rádio Estudantil”, da Associação Estudantes da Escola Secundária Afonso Albuquerque. Mais tarde, juntamente com o António José Fernandes e António José Teixeira produz o programa “Nós e os Livros”. «Como tudo tem um fim também este programa acabou, sendo que foi um projeto interessantíssimo que nos motivou e de que maneira… A partir daí eu passei para as emissões regulares e o António José Teixeira enveredou pela informação da Rádio Altitude».
Há anos atrás, numa entrevista que nos deu para a revista “Praça Velha”, António José Teixeira recordava-nos que «a primeira aproximação com a Rádio Altitude foi mais na área cultural», lembrando ainda o programa “Critério” ao qual, quando foi para Lisboa, Fausto Coutinho deu continuidade. «Contava com colaborações várias, de algumas pessoas que já não estavam na Guarda, como o Carlos e Mário Tenreiro». António José Teixeira acrescentava, nessa entrevista, ser a área cultural a preferida ao nível da atividade radiofónica. «Depois foi a notícia que me entusiasmou, o trabalho e a partilha de experiência com os colegas mais antigos na Rádio, como era o teu caso, e de muitos outros, como o Luís Coutinho, o Emílio Aragonez, o Antunes Ferreira, o Francisco Carvalho, o João Oliveira Lopes… Fazíamos de pequenas histórias grandes histórias, do incêndio, do acidente, uma aventura de todos os dias e que nos levava às aldeias e vilas da região. Foi isso que me entusiasmou, ir atrás das notícias, das pequenas notícias».
António José Teixeira sublinhou então o papel formativo da Rádio Altitude nessa época. «Mesmo naquilo que podíamos achar que, na altura, não era o melhor que se podia fazer. Era sobretudo (e tendo em conta as muitas limitações) um lugar com imaginação, com dedicação. Conseguíamos, como bem sabes, ultrapassar barreiras que às vezes eram inimagináveis. Hoje muita gente terá dificuldade em acreditar que fosse possível». Acrescentava depois que «a partilha de conhecimentos e experiências entre as diferentes gerações, dos elementos que faziam a Rádio, resultava numa excelente aprendizagem; todos aprendíamos uns com os outros e sentíamos a nossa responsabilidade perante os ouvintes. Na altura, a Rádio Altitude tinha uma influência que nos deixava a todos um pouco espantados. E percebíamos isso sempre que nos deslocávamos ao interior do distrito ou da região».
Na década de 90, Ismael Marcos deixou Lisboa e veio para a Guarda, onde começou a trabalhar na Rádio da qual guarda excelentes memórias, «desde a aprendizagem à própria camaradagem. Penso que também deixei algum contributo com os conhecimentos que trazia de outra grande casa, que é a Rádio Renascença. Tenho boas memórias dos diretos que fazia com o Emílio Aragonez, aos fim-de-semana, das diversas câmaras municipais».
Muita memória da Rádio tem João Ferreira (filho de Antunes Ferreira, nome incontornável desta estação emissora). «Recordo principalmente nos pós-25 de Abril de 1974, de ir com o meu pai para a RA e deparar, ao cimo das escadas do primeiro piso, com uma G3 encostada e o respetivo titular a descansar na sala que mais tarde seria a biblioteca. Perante a minha interrogação, o meu pai terá dito algo como: “Aquele soldado está ali para nos defender”. Eu retorqui: “Mas a arma está ali, longe dele!”, ao que o meu pai respondeu: “Ele sabe que eu já cheguei e nesta altura, como ninguém nos fará mal, foi descansar um pouco.” Dormi todo o PREC descansado!».
José Luís Dias teve ainda muito jovem o seu primeiro contacto com a Rádio Altitude. «Foi durante uma visita de estudo que decorreu ainda nos meus anos de escola primária; um primeiro contacto fascinante, considero-me feliz por ter acontecido, entrando no edifício, sendo-nos mostrado tudo, inclusivé, o emissor… Fascinou-me ver como se fazia rádio ao vivo, a rádio com gente dentro, ver o que já ouvia em casa quase diariamente». Em 1978, aos 16 anos, «pela mão daquele que considero o meu mentor, Emilio Aragonez, comecei a fazer rádio “a sério”, foi o “Espaço Jovem”, integrado na emissão da noite das sextas-feiras, o “Intercâmbio 6”. Foi-me ensinado a trabalhar com equipamento de radiodifusão, a ter uma conversa natural e fluída com os ouvintes, a colocar a voz correctamente entre discos (sim, rodava discos, sabia fazer o “pre list” e “cue”), a respeitar quem nos ouve e, sobretudo, a manter os olhos bem abertos em relação aos níveis de áudio… Não havia processamento, o único remédio era mesmo não deixar saturar os níveis».
No vasto número de programas emitidos pela Rádio Altitude sobressai – pela projeção alcançada – o programa “Giroflé”. «Foi um pouco de mim. A este programa me dediquei de alma e coração», dizia-nos, recentemente, o jornalista José Domingos. «Se bem que havia uma lacuna na programação dirigida a crianças, o “Giroflé” começou na sequência de uma ação de angariação de géneros para os mais necessitados que organizei, creio que no programa da tarde. Surgiu então a ideia do programa a que inicialmente aderiram Abílio Curto e Margarida Andrade. Acabei por ficar sozinho. Mas consegui colocar as crianças a apresentar o seu programa em direto. Era lindo vê-los chegar até à Rádio antes das 18 horas de sexta-feira, a hora do programa. Uma “passarada”, como dizia o meu saudoso amigo e ex-professor Manuel Madeira Grilo».

Emílio Aragonez, uma referência do Altitude

A Rádio Altitude representa para Emílio Aragonez «praticamente uma vida toda. Uma pessoa que entra para ali aos 19 anos e fica lá até aos 68 obviamente que representa tudo», dizia-nos há algum tempo atrás. «Esqueci-me muitas vezes que tinha família, esqueci-me dos amigos e vivia para o Altitude. Era tudo para mim!…».
Nos primórdios da sua atividade radiofónica teve por companheiros alguns dos internados no Sanatório Sousa Martins. «Havia, naturalmente, muito receio deste contacto com os doentes», temor a que não escapava a própria cidade. Nessa época, as emissões da Rádio Altitude eram à noite, tendo depois passado a existir um espaço na hora do almoço. «Comecei também a fazer algumas das emissões desse horário, mas o trabalho mais alargado era aos fins-de-semana, dado que alguns doentes faltavam; havia um que tinha um programa desportivo, outro era responsável por um programa vocacionado para as questões culturais e um outro realizava o “Vento do Norte”, que foi um programa muito polémico», recordou o jornalista.
Desligado da atividade radiofónica, devido à sua idade, Emílio Aragonez é uma memória viva da Rádio e da Guarda – das suas estórias e tradições – igual a si próprio, referência de um tempo cúmplice das ondas hertzianas.
Emílio Aragonez foi, durante décadas, uma das vozes mais populares das emissões radiofónicas feitas, em onda média, a partir da cidade mais alta de Portugal

Helder Sequeira

Sobre o autor

Hélder Sequeira

Leave a Reply