Dizia Marx, «a História repete-se. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa» e a terceira, digo eu, sabe-se lá como…
Em 1908, Raul Solnado, foi despedido da firma onde trabalhava. Chegado a casa, sentou-se na poltrona, abriu o jornal e ao chegar aos classificados deparou com a oferta de emprego na guerra. Entre outras coisas, o anúncio referia que o candidato tinha de matar depressa e sem qualquer problema, pois ali, na guerra, não ia preso, nem tão pouco o caso seria relatado nos noticiários da CMTV. Como condição tinha de levar um cavalo, uma espingarda e algumas munições. Solnado arranjou tudo isso, fez-se à estrada, chegou ao quartel, bateu à porta do grupo wagner, foi recebido e prontamente entrevistado pelo oficial de dia. Como levava tudo em ordem foi contratado partindo de imediato para Kiev a fim de escavacar a loiça toda, o que para ele não era novidade. Tinham sido muitos anos a virar frangos.
O nosso homem cumpriu fielmente a missão, portou-se lindamente e como prémio foi promovido a espião. Disfarçado de Maria Albertina, apoderou-se dos planos da pólvora ucraniana, combinou com estes um plano de atuação que passava pelo ataque com tanques de lavar, entretanto enviados pelo ocidente, estabelecendo assim um calendário de acção. Os de cá combatiam em Odessa às segundas, quartas e sextas, tendo os outros a possibilidade de lançarem drones às terças, quintas e sábados em Mariupol, com descanso e tréguas bilaterais no dia do Senhor e feriados religiosos.
A coisa inicialmente correu como combinado, mas o chefe kremilheiro começou a enviar poucas balas. Uma para cada espingarda. Eles disparavam, a bala ia presa por um cordel e era puxada para ser novamente reutilizada. O cozinheiro, agora provido a comandante do grupo, ficou muito chateado com esta situação e resolveu dizer das boas ao chefe-mor da guerra. Este, por seu lado, foi bastante compreensivo tendo reforçado as munições: mandou então um pacotinho de seis balas para cada espingarda. O chefe da quadrilha, que sabe como se cozinha a política da bala, ficou muito revoltado e resolveu fazer uma sindicância. Num gesto de cólera atirou ao chão tachos e panelas, levou canhões, metralhadoras, balas e afins, pôs-se a caminho, fez com que o kremilheiro, pela primeira vez na vida, se borra-se todo, tendo conseguido colocar toda aquela gentalha de chapéus militares esquisitos em sentido.
O melhor de tudo isto foi a declaração de um tal Peskov, ou melhor, o designado Charlie do sistema, o tal porta-voz que nunca ninguém vê, só lhe conhecemos a voz, debitando todas as postas de pescada, dando explicações e ordens aos seus queridos anjos.
A guerra do Raul termina aqui. Precisamente à porta do quartel, quando um fiscal do regime faz questão de proibir a continuação do conflito fundamentando que ambas as partes não possuírem licença de porte de armas. Mas… felizmente a “guerra de 1908” finalizou e esta infelizmente prossegue.
Lá longe onde o sol castiga mais milhares continuam a ser mortos e os seus bens destruídos enquanto nós, os do lado de cá, pagamos com língua de sete palmos a ineficácia e dependência, sempre com o argumento guerra e assim com a descoberta inédita de umas Lagardes e Cª continuamos a puxar dos cordões à bolsa, estreitando cada vez mais os já magros orçamentos familiares. Se o efeito da guerra se sente em todo o mundo verifiquemos como é possível nos States a inflação desacelerar fazendo com que os juros fiquem cada vez mais baixos.
Esta desfaçatez europeia parece até querer esconder algumas responsabilidades históricas, dá origem à existência de mentalidades mesquinhas, regimes ordinários e a soma de todos os medos, sobretudo religiosos, colocam em causa os mais elementares direitos. Olhemos, por exemplo, para o Irão, Mali, Chade, Camarões, Bielorrússia, Venezuela, China, Cuba, Coreia do Norte, Myanmar, numa guerra de tachos, de sucessão que permitem conflitos que vão dos seis dias até aos cem anos numa guerra de doidos que chega aos tronos e aos mundos.
Pois é… todos diferentes – todos iguais. O velho Orwell a levar a melhor. Os porcos, afinal, triunfam.
Nesta reflexão falta ainda falar dos prisioneiros. Em 1908 o colega do Raul apenas fez um prisioneiro e o dito cujo argumentou que a prisão não tinha condições e não queria ir e, pelos vistos, não foi. Em julho de 2023 não nos perguntam se queremos ir presos, pois, quer queiramos quer não, estamos detidos, retidos e aprisionados a um sistema que cria milhões de pobres, de novos pobres, de ricos e novos-ricos e aCostados a uma classe média que paga tudo tendo apenas por consolo e prémio a maior carga fiscal, o maior custo de vida com juros constantemente a disparar, recibos verdes, e por tudo aquilo que sabemos, por tudo o que vemos, ouvimos e lemos: saúde, habitação, reformas, salários, precariedade, etc., etc., etc., etc., etc., e etecetera. E tudo, dizem eles, por causa da guerra.
115 anos depois da guerra do Solnado as coisas estão piores. Muito piores. Não estão mesmo para brincadeiras.
Os perigosos na guerra do Solnado
“Se o efeito da guerra se sente em todo o mundo verifiquemos como é possível nos States a inflação desacelerar fazendo com que os juros fiquem cada vez mais baixos.”