Estamos sentados à mesa, eu e alguns amigos, e verificamos o conteúdo dos bolsos para testar uma teoria. Os telemóveis, incluindo as baterias, fabricados em Taiwan e na China. Os PDA na China, o meu receptor GPS também, tal como o IPod. A propósito deste, o último escândalo: os IPod estão a ser fabricados na China por operários que ganham salários equivalentes a cinquenta euros por mês, sem qualquer regalia ou protecção social. Sem férias. Obrigados a jornadas de trabalho de 14 horas e mais.
Um autêntico paraíso para o típico empresário português, que pensa já na melhor maneira de se deslocalizar para a China. Um pesadelo para a Apple, que tem como clientela a classe média-alta, liberal, que lhe não perdoa uma falha ética desta grandeza e exige explicações. Enquanto estas não chegam, e o inquérito está iniciado, tenho dois casos que merecem análise e reflexão.
O primeiro tem a ver com as recentes trovoadas no Douro, que se abateram com efeitos desastrosos sobre parte significativa das vinhas. As televisões não se demoraram e as reportagens sucederam-se. Em pano de fundo estavam os vinhateiros a exigir subsídios e apoios. Veio o ministro da Agricultura recordar que existem seguros de colheita que o Estado subsidia em 75% e que se as pessoas que agora reclamam subsídios tivessem feito os seguros não haveria problema.
A Casa do Douro veio de imediato prometer vender aos agricultores, a preço simbólico, um qualquer produto que permite recuperar as vinhas para a campanha do próximo ano. De seguida, e certamente sem ponderar a proposta da Casa do Douro, o Ministério da Agricultura prometeu distribuir gratuitamente esse mesmo produto. Vieram então os insultos e as queixas dos agricultores, que o tinham comprado, a preço simbólico, à Casa do Douro.
Moral da história: para os vinhateiros do Douro não chegam matérias-primas a preço simbólico nem seguros financiados pelo Estado (por todos nós) a 75 por cento. É preciso que tudo seja totalmente gratuito.
O segundo caso tem a ver com a fábrica da General Motors na Azambuja. A primeira notícia que apareceu este ano nos jornais sobre essa fábrica dizia respeito a reivindicações salariais dos trabalhadores. A segunda mencionava as contas da GM, segundo as quais era mais barato cerca de €500,00 por unidade produzir em Saragoça o mesmo modelo produzido na Azambuja. Sabia-se, entretanto, que a GM passava por graves dificuldades, vendo-se na necessidade de reduzir custos e de proceder por isso em todo o mundo a milhares de despedimentos – isto, enquanto recebia reivindicações salariais em Portugal e enquanto a Apple era acusada de fabricar o IPod na China à custa de salários de miséria. É agora certo que a GM vai fechar em Portugal e que isso vai custar mil e cem postos de trabalho, aliás principescamente (38 milhões de euros de ajudas financeiras) subsidiados pelo Estado. Já se conhece a via-sacra: jornadas de luta, cortes de estrada, vigílias à porta do primeiro-ministro, ou do Parlamento, ou do Palácio do Belém, manifestações, abaixo-assinados e por aí fora. Que tal fazer isso tudo na China, onde há efectivamente necessidade de aumentos salariais?
Sugestões
Um livro: Munique, a Vingança (George Jonas, Ulisseia 2006). Israel, a Mossad, o terrorismo nos anos sessenta e setenta e, embora lateralmente, o apoio tácito ou expresso da URSS ao mesmo, sob todas as formas (mesmo a grupos fascistas), a pretexto da desestabilização do ocidente na perspectiva da “grande revolução democrática e socialista”. Esta não veio, mas ficou um imenso, e inútil, cortejo de mortes e sofrimento. E continua.
Por: António Ferreira
