«Este processo nunca deveria ter existido, aliás já nasceu torto». Henrique Fernandes está satisfeito com o arquivamento pela Inspecção-Geral de Saúde (IGS) do processo disciplinar movido pelo anterior Conselho de Administração (CA) do Hospital Sousa Martins. Em causa estava, em 2004, a aquisição, a expensas suas, de dois aparelhos novos para o serviço de Oftalmologia, um Yag-Laser e um sinoptóforo, sem a autorização prévia da administração da unidade, então dirigida por José Cunha e a falecida Isabel Garção, respectivamente director clínico e directora do hospital.
A ideia era realizar exames e intervenções cirúrgicas, pondo cobro à dependência de outros hospitais, como o da Covilhã, mas na altura essa opção valeu-lhe um processo disciplinar e a acusação de violação dos deveres gerais de zelo e de lealdade por ter colocado aqueles dois equipamentos no serviço. Para além dos 40 mil euros pagos pelos aparelhos. Passados dois anos, a IGS louva a atitude «altruísta» do médico e sustenta que o seu comportamento resultou da «apatia ou ineficiência» manifestada pelo CA de então na resolução das cirurgias do Yag-Laser. «Foi justamente essa inacção que levou o arguido a agir de modo ilícito», continua a IGS no seu relatório, a que “O Interior” teve acesso, ao não respeitar as hierarquias da instituição. «O problema já está ultrapassado», refere Henrique Fernandes, adiantando ter garantias de que o hospital vai suportar os custos de manutenção dos equipamentos em troca da cedência da sua utilização na unidade. «Os aparelhos pertencem à cidade e são para serem utilizados pela população do distrito», sustenta o oftalmologista.
Na altura, o médico justificou a sua invulgar atitude com os riscos de perda de capacidade hospitalar na Guarda porque estava em curso o Plano Nacional da Visão, que determinava o fecho de vários serviços de Oftalmologia em unidades distritais. «Quando comprei o material tirei argumentos ao ministério da Saúde para fechar serviço na Guarda», garante, lembrando que esta tentativa de procedimento disciplinar aconteceu resultou de uma «questão pessoal» de José Cunha e Isabel Garção contra si. «Eles não mexeram um dedo para evitar o fecho da Oftalmologia na Guarda e eu sempre discordei da sua gestão para o hospital, nomeadamente quanto ao fecho da maternidade», recorda. De resto, esperava que a tutela manifestasse «igual empenho» na qualificação técnica do seu serviço, «propiciando a substituição deste material por aparelhos do Estado» e a aquisição de outro equipamento «igualmente necessário». Mas nada mudou até agora. Henrique Fernandes continua resoluto e voltaria a repetir tudo outra vez, pois «a lei deve ser violada quando já não serve as pessoas», defende. E considera que nada teria acontecido se o CA anterior tivesse cumprido «as suas obrigações de prestação de bons cuidados de saúde aos doentes», em vez de «obrigar um médico a substituir-se ao Estado e comprar aparelhos para tratar os seus pacientes».
Luis Martins