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Lagos No Shaking

A Idade da Experiência

Nos dias que correm, poder-se-á pôr a questão: será ainda válida a matriz de afro-funk legada por Fela Kuti? A resposta é afirmativa, até porque se encontram rastos dessa maravilhosa música de intervenção, onde a tradição rítmica da tribo Nigeriana Yoruba se fundiu com o jazz e o funk ocidentais. Basta ouvir o primeiro álbum dos Antibalas, ou ainda Ras e Quantic, para perceber como uma ideia cujos cristais se solidificaram no início dos anos 70, permanece válida. Fela já não está entre nós fisicamente, mas aquele que criou os alicerces para o edifício do afro-funk, o baterista Tony Allen, continua a poder gravar com relativa regularidade.

Conta-se que sem Allen, Kuti não teria edificado aquela moderna linguagem transgénica, já referida no parágrafo anterior, e que igualmente serviu de matriz a toda uma geração de músicos Nigerianos e outros oriundos também do Gana. A importância histórica de uma energia bruta libertada espontâneamente , reflecte-se nas inúmeras colectâneas editadas nos últimos quatro anos, onde destaco as excelentes Nigeria 70 e Ghana Sounz.

Tony Allen, é então uma lenda viva, de uma época de criação excepcional, cujas raízes mais profundas tenta agora conservar com a edição de um novo álbum este ano. E confesso a ansiedade que tinha perante a expectativa gorada no anterior trabalho intitulado “Home Cooking”, sobretudo depois de ter tido o primeiro contacto com o sobre-excelente “Black Voices”, onde se servia funk com um forte mas agradável travo africano, era enorme. Agora, a intenção foi boa; regresso a Lagos, onde tudo começou, gravação com músicos locais, variação entre a matriz de origem e a raiz tradicional, e um grafismo a fazer lembrar as capas interventivas quer de Kuti e o do próprio Allen em início de carreira, patrocinada pelo seu mentor. Mas, tudo não passa da pretensão de uma boa ideia. Começa bem o álbum, mas depois resvala para uma perda de rumo, onde não se sabe se se pretendeu fazer um disco mais étnico ou antes uma actualização da linguagem nascida há pouco mais de trinta anos. Fica-se com a sensação insustentável de não se descortinar se estamos perante um caso onde a inspiração ainda não foi recuperada após o passo em falso de “Home Cooking”, ou antes uma cedência ao cada vez mais abrangente mercado da “world music”, procurando-se vender produto com um mínimo de qualidade não se arriscando contudo na radicalização da estética, que não lhe traria frutos comerciais provavelmente, mas levá-lo-ia para o mundo de bela agressividade então criado. Curioso é o facto de a editora , a Honest Jons do conhecidíssimo Damon Albarn fundador dos Blur, editou colectâneas relativas à Nigéria, mas sobretudo reeditou dois belíssimos álbuns de ex-companheiros de Fela Kuti, Tunde Williams e Lekan Animashaun, onde a pureza da energia sem ser modulada, ainda existe.

Penso que haverão duas atitudes em relação a “Lagos No Shaking”: para quem nunca ouviu Fela Kuti ou conheceu Tony Allen no seu esplendor,e gosta de “world music”, desde que esta tenha um som puro e não fira, ficará contente, mas para alguns puristas, como é o meu caso, a decepção é imensa. Esperam-se melhores dias.

Por: Paulo Sebastião

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