Atualmente, desde a moda à publicidade, nada escapa à Cultura que, transformada pelo tecnocapitalismo das indústrias culturais, dos media e das redes digitais, tudo parece permear. Maus e péssimos exemplos não faltam. Os filmes mais visionados são os dos malabarismos dos cãezinhos de alguém, os romances (que só não são de cordel porque ocupam às quinhentas páginas de cada vez) mais lidos são as biografias de quem é famoso por coisa nenhuma. Neste novo mundo da Cultura, a bem da verdade será cada vez mais apenas o do entretenimento, é notória a tendência para apelar a que não se reflicta sobre nada e tudo se consuma. Basta lembrar que, da noite para o dia, alguém se lembrou até de fazer uns trocos com coisas como os nomes das cidades escritos com grandes letras metálicas que, de Norte a Sul, dão em violar grosseiramente os espaços mais nobres, relegando os monumentos, e todo o ambiente em redor, para segundo plano. Agora, os turistas preferem gastar o tempo todo a perseguir o seu melhor auto-retrato à frente daquilo do que a apreciar a arquitetura e a paisagem envolventes. Do dia para a noite, alguém se lembrou também de nos impingir a ideia de que nem a paisagem natural pode escapar ao sorvedouro capitalista e, vai daí, desataram a fazer-se passadiços sobre tudo o que verdejasse ou empedernisse. Agora, os passantes preferem esmagar uma salamandra mais distraída do que perder a oportunidade de se fotografar a andar sobre aquilo. Isto já para não falar das feiras, festas e festivais, todos iguais, que por aqui pululam como cogumelos no Outono das florestas. Depois, claro que mal damos por nós e já estamos a consumir, sofregamente, chorrilhos de emoções e experiências que, de seguida, despejamos nas redes digitais. Isto, sem sequer antes delas extrair qualquer coisa que se veja. Como se cada um quisesse apenas conhecer melhor a si próprio, o importante de cada vivência passou a ser fotografar-se em múltiplas poses e variados ângulos. E, embora com tanto toque e retoque seja cada vez mais difícil reconhecer os fotografados, ninguém parece querer prescindir de tão moderno costume. O importante é registar o momento para, compulsiva e inutilmente, o divulgar. Na mercantilização da felicidade, o prazer de estar, viajar e experimentar foi mesmo trocado pelo desejo de tudo isso.
Não fosse o facto de, assim, ser cada vez mais escasso o sentido de colectivo, do meio desta voragem narcísica, até podia nem vir grande mal ao mundo. O grande problema, para além de ser pouco compatível com o Estado Social, devido à inexistência de soluções, acessíveis e diferenciadas do presente e do futuro, na solução democrática e nos partidos políticos tradicionais, será mesmo o de isto se transformar em insegurança generalizada e escancarar as portas aos extremismos. Pelo que não será completamente disparatado lembrar que os extremos nunca simpatizaram lá muito com animaizinhos que fazem malabarismos, pobrezinhos que nos fazem bonzinhos e esses “inhos” todos com que dissimulamos a constante depreciação das instituições e da própria democracia.
Os novos negócios “culturais”
Neste novo mundo da Cultura, a bem da verdade será cada vez mais apenas o do entretenimento, é notória a tendência para apelar a que não se reflicta sobre nada e tudo se consuma.