O PS continua a escrever a saga dos escândalos, uns maiores que outros, outros irrelevantes, todos a quase esgotar o tempo das notícias. Os jornais e as televisões servem-nos isso e pouco mais, incluindo a guerra da Ucrânia e as greves. A mensagem que vamos pouco a pouco interiorizando é simples e eficaz: o governo não governa bem, até porque as classes profissionais estão a protestar e não se ouvem boas notícias; os escândalos sucedem-se e começa a cheirar a corrupção, ou pelo menos a aproveitamento a favor de alguns dos recursos de todos; o célebre PRR, a salvação nacional, vai ser para os amigos e para o Estado. A solução seriam eleições antecipadas para podermos ter acesso aos escândalos do PSD, às greves provocadas pela governação do PSD e às suspeitas de corrupção e compadrio de ministros, secretários de Estado e autarcas do PSD. Não resolvia nenhum dos grandes problemas do país, mas saímos desta rotina.
Se quisermos boas notícias, temos de ir buscá-las a outros lados. O “New York Times”, por exemplo, trazia há algumas semanas uma reportagem sobre a barragem do Alto Tâmega, que promete uma solução para um dos maiores problemas das energias renováveis: o armazenamento da energia para poder ser utilizada em períodos de menor produção. A solução encontrada é brilhante e passa pela reutilização da água que passa nas turbinas de produção de eletricidade, bombeando-a de novo para montante de modo a poder ser armazenada. A capacidade de produção de energia da barragem, diz o artigo, é equivalente à de uma central nuclear. Pelo mundo fora aguarda-se pelos resultados e há planos. Para replicar a solução, nem que seja adaptando barragens já existentes. Alguém se lembra de ver esta notícia passar nas televisões portuguesas?
Para além dos escândalos, tivemos as greves. Os professores querem recuperar o tempo de serviço perdido e querem estabilidade na sua profissão. Discute-se a forma que escolheram para fazer greve, fechando escolas sem perder a retribuição. Para isso contaram com a ajuda de auxiliares, que esses sim fariam greve, impossibilitando o funcionamento das cantinas e, por arrasto, das escolas. Como são em pequeno número, seriam financiados pelos professores para não perderem o salário. A legalidade (e moralidade) do procedimento levanta dúvidas, mas a verdade é que nada na lei o proíbe diretamente, como nada na lei proíbe os fundos de greve. Tudo dependerá das reivindicações apresentadas pelos funcionários que efetivamente façam greve e será com esses, e os sindicatos que os representem e tenham declarado a greve, que o governo deverá naturalmente negociar.
Quanto às reivindicações dos professores, uma delas, a de estabilidade na profissão, é óbvio terem razão. Não é admissível continuarem tantos deles contratados a termo depois de tantos anos de serviço. Nisto, devem ser-lhes reconhecidos os mesmos direitos que têm os restantes funcionários públicos e de que beneficiam já, há muito, os trabalhadores do sector privado. A regra, como é evidente, tem de ser a igualdade de tratamento – um dos princípios fundamentais da nossa Constituição e de qualquer sociedade civilizada. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mais de 200 anos depois da Revolução Francesa, deveriam continuar a nortear a ação dos governos e a elaboração das leis.
A recuperação do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e de atualização de retribuições também é um direito, dos professores e de todos aqueles que viram as suas carreiras e salários congelados durante anos. Chama-se a isto equidade e é também uma aplicação do princípio da igualdade. Por isso, a haver recuperação dos anos perdidos, tem de ser para todos e não apenas para aqueles que gritam mais ou aparecem mais vezes na televisão. Uma só pergunta: há dinheiro?
Para além dos Escândalos
“A mensagem que vamos pouco a pouco interiorizando é simples e eficaz: o governo não governa bem, até porque as classes profissionais estão a protestar e não se ouvem boas notícias;”