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Dores localizadas

observatório de ornitorrincos

Como os leitores mais atentos terão reparado, a ministra da Cultura tem madeixas novas. Mas larguemos por momentos a política, e concentremo-nos em assuntos mais prementes, como as introduções absurdas em colunas de opinião. Agora que já reflectimos sobre as minhas primeiras linhas e os artigos do José António Saraiva, gostaria de partilhar com os leitores duas preocupações que me assolam. Uma coluna de opinião torna-se ao fim de algum tempo de tal forma familiar, que passa a permitir ao seu autor partilhar com os seus leitores coisas como as suas preocupações, as suas dúvidas, as suas dívidas, ao mesmo tempo que possibilita também aos leitores partilharem, se assim o desejarem, as suas namoradas ou mesmo uma vivenda à beira-mar com o colunista. No fundo, este é um espaço livre de troca e, também por isso, um lugar que incomoda toda a esquerda estatizante e colectivista.

Talvez por influência profunda de Ambrose Bierce e da Rua Sésamo, as minhas preocupações afloram-se-me ao espírito por ordem alfabética. É talvez por isso que para mim o amor vem antes do sexo (aliás, a maior parte das vezes não dá sequer para chegar ao M, quanto mais ao S…). Já, por exemplo, a televisão vem depois, o que explica a razão pela qual é muito raro ligar o aparelho na minha sala.

Das várias críticas verdadeiras aos textos aqui publicados nos últimos dois anos, há duas mais habituais. Uma é que escrevo mal. A outra é que estou um bocado balofo. Mas não é de nenhuma dessas que hoje aqui trato. Algumas vezes fui interrogado por causa da quantidade enorme de DVD’s marcados com três X’s na prateleira, outras por raramente escrever sobre assuntos locais ou regionais. A resposta é simples. Porque não estou muito informado nem muito integrado nesses conteúdos. A réplica é também válida para as duas interpelações.

Neste momento, o meu desassossego local anda pelo S e pelo T. Nomeadamente, semáforos e turismo. Também me incomodam os songamongas e os trolls, embora estes numa dimensão mais mitológica.

Sinto-me um ser afortunado com os semáforos da cidade onde vivo. Sortudo. Bem-aventurado. Venturoso. Felizardo. (Basta de sinónimos. Chega. Alto. Parou.) É reconfortante saber que sejam as horas que forem, os semáforos da terra estão ligados. Podem ser 4 horas da madrugada, num cruzamento com visibilidade total, sem nenhum outro carro nas ruas além do meu, que eu sei, com toda a certeza, que o semáforo estará ligado. E vermelho, para que eu não corra riscos desnecessários. E não julguem os leitores que os responsáveis só deixam ligados um ou outro semáforo mais importante. Não, estão todos ligados, permanentemente. 24 horas por dia. Como em Lisboa ou no Porto. A Covilhã será menos que essas cidadezecas do litoral? Em Coimbra, por exemplo, desligam-se os semáforos às 22 horas. Talvez por isso, Coimbra é uma cidade com muito tráfego nocturno. Quem manda nos semáforos sabe que trânsito nocturno é sinónimo de noites mal dormidas e manhãs mal acordadas. A produtividade ressente-se e a economia regional destrói-se. Calhava desligarem os semáforos à noite, provavelmente algumas fábricas do concelho começavam a falir. Gostava também de desafiar os leitores para experimentarem as vantagens da introspecção facilitada pelos longos minutos de paragem nos sinais vermelhos, em cruzamentos onde se vê claramente que não vem nenhum automóvel de nenhum dos lados. Há momentos na vida em que é importante percebermos que há regras, que há limites, que não podemos avançar só porque a estrada está livre. Há, como podem reparar, toda uma função pedagógica desempenhada pela Câmara Municipal ou pela Polícia ou seja lá por quem manda naquilo. Daqui, o meu mais profundo agradecimento.

Sobre o turismo, apraz-me dizer que detesto turistas, excepto as nórdicas sedentas de prazer que conheci nos meus anos de juventude.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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