Se o automóvel faz parte do nosso quotidiano e é imprescindível nas nossas vidas, há cem anos era ainda uma novidade, um luxo, e ao alcance de muito poucos. Possuí-lo era uma questão de estatuto. Um símbolo de poder!
Quantos havia no concelho da Guarda e quem eram os seus proprietários? Onde se abasteciam de gasolina? Quem os conduzia? Os proprietários?
Quando o primeiro automóvel chegou a Portugal, em 1895, trazido de Paris pelo conde Jorge de Avilês, não havia estradas e, por isso, conseguir fazer 15 km numa hora era obra. Os serviços alfandegários nem sabiam como classificar aquela estranha máquina, enquanto mercadoria. Depressa aprenderam…
O automóvel no distrito da Guarda
O primeiro automóvel no distrito da Guarda foi também o segundo no país. Era um Peugeot, o primeiro automóvel em Portugal sobre pneus, comprado em 1897 pelo dr. Tavares de Melo, morgado de Santo Amaro, no concelho do Sabugal. Embora com residência habitual em Coimbra, a sua primeira viagem de automóvel foi, significativamente, até à Guarda. Foram mais de 16 horas, mas esse momento retratou, sem dúvida, a primeira presença de um automóvel na Guarda.
O segundo Peugeot em Portugal foi comprado em 1898 por Bernardino Oliveira Batista, de Vila Nova de Tazem (Gouveia). O irmão, Joaquim, outro dos veteranos do automóvel em Portugal, comprou em 1904 um Peugeot, do qual, ele próprio era motorista. Foi Governador Civil da Guarda (1888-1890).
A partir de então o número de automóveis não parou de aumentar e, em finais dos anos 20, nem se sabia, ao certo quantos haveria no distrito. Segundo os dados conhecidos, o concelho onde havia mais automóveis registados era o de Gouveia, com 29 viaturas de “ligeiros” e de “carga”. Seguia-se o concelho da Guarda, com 21, e Trancoso com 6. Nos concelhos de Almeida, Mêda e Vila Nova de Foz Côa não havia nenhum automóvel. Ignoram-se os dados relativos aos restantes municípios.
As estradas
O conforto automóvel, sobretudo nas viagens longas, era uma miragem. Nesses primeiros tempos viajava-se “em cima deles” e não “dentro deles”. As estradas do distrito, que apenas tinham sido pensadas para veículos de tração animal e peões, não tinham condições de segurança. Era assim por todo o país! Não havia mapas, a primeira carta itinerária do país, como então se dizia, foi elaborada pela Vacum Oil Company (mais tarde Mobil Oil, a primeira empresa petrolífera a instalar-se em Portugal), no entanto, já antes o “condutor de obras”, Clemente José Gomes, natural da Vela, concelho da Guarda, tinha feito uma carta do distrito com uma precisão e pormenorização impressionantes. Como o exemplar que possuo é o original, desconheço se chegou a ser publicada.
A gasolina
Os postos de venda de combustível eram vulgares casas comerciais.
Na Guarda, uma delas era a ourivesaria Cunha, de António Mendes da Cunha (Celorico da Beira,1891-Guarda,1971). Situada na Rua do Comércio, expunha um grande e apelativo relógio no seu exterior. Paúl & Companhia, com casa aberta no Largo Serpa Pinto, era agente da Vacuum Oil. A Casa José de Lemos, na Rua do Comércio, era agente da gasolina da Colonial Oil Company.
Alberto Patrício da Silva, era agente da Fiat. Tinha casa na Rua da Liberdade.
Em 1901 o Governo Civil começou a poder emitir matrículas, excluindo, por razões de decência, os grupos de letras CU e FD.
Primeiros automóveis no concelho da Guarda
Em 1920 havia no concelho da Guarda cerca de 20 automóveis, mas pode ter havido mais, entre entidades públicas e privadas. Todos tinham garagem própria, o que não é de estranhar, dado o seu elevado valor.
– O 2º Grupo de Metralhadoras, com quartel no antigo Seminário, atual Museu, tinha um Ford;
– Vítor Januário tinha um Maxwel, com garagem na Rua do Amparo;
– Francisco Lobo de Vasconcelos tinha um Ford, com garagem na Rua Vasco da Gama;
– Herbert Sud (?) tinha um Ford, com garagem no Bonfim;
– António Mendes da Cunha tinha duas viaturas, um Locomobil e um Ford, com garagem na Rua do Teatro;
– Francisco Bastos tinha um Ford, com garagem na Rua do Amparo;
– Agnelo Patrício tinha um Peugeot e garagem no Bonfim;
– Leopoldo António Rebelo tinha um Minerva, com garagem na Rua Batalha Reis;
– José Luís Júnior tinha um Ford e um Overland, com garagem na Rua do Teatro;
– José de Sousa Júnior tinha um Hummer, com garagem na Rua dr. Francisco dos Prazeres;
– Société Urane & Radium, dita Fábrica de Urânio, tinha um Le Zebre e garagem no Barracão;
– José Simões tinha um Ford, com garagem no Barracão;
– Barroco & Companhia tinha um Ford e garagem na Guarda Gare;
– Manuel Conde tinha carro de aluguer;
– Manuel Vinhas tinha carro de aluguer;
– Joaquim José das Neves tinha um Berliet e garagem na Rua 31 de janeiro; aluguer;
– A firma Ozório & Companhia, de transportes públicos, tinha quatro viaturas (Minerva, Maxwel, Overland e Peugeot), com garagem na Rua do Campo;
– Auto-Omnibus, de Aristides Mattos Ferreira de Aguiar, destinada ao serviço entre a Guarda e Guarda-Gare.
* Investigador da história local e regional