A contradição demográfica

Escrito por Pedro Fonseca

“Da década de 1980 em diante, muito mudou em Portugal e no mundo no que respeita à realidade demográfica. O que parece ainda não ter mudado foi a postura de muitos decisores políticos que não conseguem (ou não querem) conformar-se com o novo contexto sociodemográfico dos países ocidentais.”

Todas as épocas têm as suas contradições. O tempo presente não é exceção. Talvez nenhuma seja tão gritante como aquela que observamos no domínio da demografia. Por um lado, enfrentamos ameaças sérias decorrentes do aumento exponencial da população mundial. Por outro, os países ocidentais vão assistindo à redução progressiva das suas populações.
Desde 1980 que, na Europa, o Índice Sintético de Fecundidade (ISF) se encontra sistematicamente abaixo do nível de reposição geracional (2,1 filhos por mulher). Isto significa que, a prazo, a população tenderá inevitavelmente a diminuir e a ficar mais envelhecida.
Entre 1900 e 1980, a população portuguesa quase duplicou: passou cerca de 5,5 milhões de pessoas para quase 10 milhões. Mas, após 1982, também Portugal deixou de assegurar a substituição de gerações. O tempo dos casais portugueses que tinham muitos filhos terminou. Terminou e muito dificilmente voltará, por mais incentivos à natalidade que os governos locais e nacionais engendrem. Terminou porque a sociedade portuguesa mudou.
Desde logo, a emancipação feminina registou progressos notáveis, como a entrada efetiva das mulheres no mercado de trabalho e uma maior autonomização da sua vida sexual e decisões sobre a maternidade. Assistiu-se também à promoção do planeamento familiar e a uma maior facilidade de acesso a métodos contracetivos, ao mesmo tempo que a influência da religiosidade e dos valores tradicionais nas decisões familiares foi declinando. Por fim, o fator emigração, embora vestindo novas roupagens, nunca deixou de privar o país de homens e mulheres em idade fértil.
Por meados do século passado, quem tinha “apenas” três filhos era uma “família pequena”. Hoje é considerada uma família numerosa a que conta com três ou mais filhos. Subjacente a esta mudança está uma nova perceção do papel e do lugar dos filhos no seio familiar. No último quartel do século passado, os filhos começaram a deixar de ser vistos como mais “dois braços de trabalho” para ajudar a providenciar para o lar e passaram a ocupar o centro de toda a estrutura familiar, a quem se quer proporcionar tudo do bom e do melhor (roupa, telemóvel, computador, tablet, férias, curso, carro, casa, etc.).
Perante este cenário, os incentivos à natalidade e à imigração assumem uma relevância fulcral para o equilíbrio das dinâmicas demográficas de Portugal e demais países ocidentais. Tanto mais que estes países vivem hoje uma conjuntura de falta de mão-de-obra especializada e não-especializada sem precedentes. Contudo, sem políticas capazes de assegurar a permanência de jovens adultos e uma boa integração de imigrantes, dificilmente conseguirão ter um efeito duradouro e consequente.
Da década de 1980 em diante, muito mudou em Portugal e no mundo no que respeita à realidade demográfica. O que parece ainda não ter mudado foi a postura de muitos decisores políticos que não conseguem (ou não querem) conformar-se com o novo contexto sociodemográfico dos países ocidentais.

* Historiador, ex-presidente da Federação do PS da Guarda e antigo vereador da Câmara da Guarda

Sobre o autor

Pedro Fonseca

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