A decisão de encerramento da fábrica da Rhode em Pinhel não deve ter surpreendido ninguém. A suspensão dos contratos de trabalho, na versão de redução dos tempos de trabalho e comparticipação da Segurança Social nos salários tinha sido o primeiro passo. Este funciona normalmente como um pré-aviso de falência, mas os alemães proprietários da Rhode parecem querer resolver a questão civilizadamente. A nossa lei admite, já há algum tempo, a figura do despedimento colectivo com fundamento em motivos tecnológicos, estruturais ou de mercado que tornem inviável a manutenção da actividade – e parece ser este o caminho seguido.
Há alguma forma de obviar a isto? Há. Demonstrando por exemplo que a Rhode é viável, que é possível continuar a fabricar em Pinhel, rentavelmente, sapatos. Demonstrando que não é mais barato para a Rhode fabricá-los na China, ou no Norte de África, ou na Europa de Leste. E alguém acredita?
E agora? Como descobrir emprego para quase quatrocentas pessoas? As indemnizações vão gastar-se um dia. Os subsídios de desemprego vão acabar. O mercado de trabalho regional não mostra capacidade para absorver tanto desempregado e há um possível efeito perverso, que pode prejudicar toda a gente: com tanta oferta de mão-de-obra, vai haver cada vez mais gente disposta a trabalhar por salários mais baixos.
Outro problema: a formação profissional dos trabalhadores agora despedidos é muito específica. Sabem operar máquinas de fazer sapatos. Máquinas agora inúteis, ao menos em Pinhel. Aquilo que aprenderam ao longo dos anos de pouco serve agora e, quando se candidatarem a um outro emprego, a sua experiência na Rhode pode não ser uma mais-valia. Por isso há que dar formação profissional urgente a esses trabalhadores, em áreas com algum futuro.
Há que não esquecer também que esses trabalhadores poderão ter de seguir o seu caminho para outras paragens, se a região lhes não conseguir garantir a subsistência. Se o fizerem, o concelho de Pinhel irá perder bem mais de quatrocentos consumidores e contribuintes, o que poderá significar o golpe de misericórdia numa região já debilitada pelo despovoamento e por todos os estrangulamentos do Interior.
Posto isto, é difícil não pensar nos milhões, perdão, biliões, que foram gastos em Lisboa, no Porto, na Madeira, no Algarve, no Litoral em geral.
Chegou o momento de investir aqui. Ou então de encerrar, juntamente com a Rhode, todo o interior.
SUGESTÕES
Um livro: O Segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell (Publicações Dom Quixote). A New Yorker interessa-se por um pedinte que reclama ter escrito a “História Oral do Nosso Tempo” com base em depoimentos recolhidos nas ruas, vielas e bares de Nova Iorque. Um génio ou um burlão genial?
Um filme: Imperdoável, de Clint (“make my day, punk”) Eastwood. Clint Eastwood era considerado um fascista pelos meus amigos mais velhos dos tempos de Coimbra. A série Dirty Harry tinha deixado as suas marcas nas mentes mais susceptíveis da esquerda. Vejam devagar, repetidamente, a sequência final: desde a descoberta do amigo morto, exposto em frente ao saloon, o esvaziar sôfrego da garrafa de wisky, destinado a ressuscitar o assassino que tem pendente em si, a matança final. Aqui temos o pecado, o castigo e o pecado outra vez. E onde está a redenção? A infinita misericórdia de Deus não passou pelo velho Oeste. Pode escrever-se isto?
Outro filme: Barry Lyndon, de Kubrick. A amiguinha a virar-se para Barry, depois de esconder o lenço no decote, e a dizer-lhe: “tenho um lenço escondido debaixo das minhas roupas, podes procurar à vontade”. As mãos de Barry a paralisarem-se, a pouparem o corpo da prima, a colherem afinal, em vez de prazer, remorso e dor.
Por: António Ferreira