O terreno onde está instalada a fábrica Rohde de Pinhel custou à Câmara mais de 500 mil euros em 1990, mas foi vendido, devidamente infraestruturado, à multinacional alemã por 25 cêntimos o metro quadrado. Ou seja, terá pago entre 30 a 40 mil euros para se instalar na “cidade-falcão”. Em contrapartida, acordou permanecer no município durante 15 anos, prazo findo o qual o espaço reverteria para o património da empresa. O que vai acontecer a 30 de Abril. «A Câmara não tem qualquer poder ou forma de reaver o terreno», adianta António Ruas, que desconfia que esta saída tenha sido «presumivelmente premeditada».
«Não acredito que tivessem fechado há uns anos atrás», reforça o presidente pinhelense, lamentando que o protocolo então celebrado tenha sido «parco» em cláusulas de salvaguarda e outras garantias. Contudo, esclarece que não quer acusar ninguém: «Os autarcas de então fizeram o que lhes competia, porque este investimento podia ter ido para outro concelho», refere. O problema é que, tal como os independentes, as multinacionais são muito imprevisíveis. «Em Janeiro, a administração alemã comunicou à gerência de Pinhel que havia produção para 2006. Umas semanas depois já havia problemas e optou-se por fechar a fábrica», conta António Ruas, para quem as multinacionais são um «péssimo negócio» para os municípios, sobretudo do interior. «Prefiro ter 20 empresas com 10 trabalhadores do que uma com 400, porque sobra sempre um grave problema quando esta fecha», constata. Neste caso, é a falta de alternativas de emprego para os 372 trabalhadores da fábrica de calçado. Assim sendo, uma das tarefas do autodenominado gabinete de crise criado na autarquia, em colaboração com a Segurança Social e o IEFP, vai consistir em direccionar esta mão-de-obra para a criação de micro-empresas. «Não vemos outra solução», sublinha o edil. Quem exige medidas concretas é o PCP, que reclama a intervenção imediata do Governo português neste caso.
Para minorar uma crise social em perspectiva, uma vez que 20 por cento da população activa do concelho ficará desempregada, mas sobretudo para evitar que a Rohde «empurre os trabalhadores para a rescisão e fique assim sem o ónus de ter que pedir o despedimento colectivo e levar o Estado a intervir». Para o deputado Bernardino Soares, que esteve, segunda-feira, à porta da fábrica, a administração está a pressionar os 372 trabalhadores ao exigir a rescisão do contrato até amanhã. «É uma pressão ilegítima, que coloca as pessoas entre a espada e a parede», denunciou, esperando que o Governo seja capaz de fazer valer «escrupulosamente» os seus direitos e as obrigações que a empresa tem para com o Estado português. «A Rohde não tem falta de mercado. A única razão para fechar em Pinhel é o lucro fácil e mandar o pessoal para o desemprego», considerou. No dia seguinte, o líder parlamentar dos comunistas apresentou, na Assembleia da República, um requerimento aos ministérios da Economia e do Trabalho sobre a situação. «O Governo não pode fingir que não se passa nada, ainda por cima numa zona que está muito deprimida e não tem outras soluções para quem aqui trabalha», alertou.
Lembrando que a Rohde deixa Pinhel um ano depois de ter expirado o prazo de permanência protocolado com a autarquia e o Estado, Bernardino Soares acusou ainda os sucessivos Governos de não terem assegurado «a estabilidade» deste tipo de investimentos no nosso país. «É sempre um prazo curto, findo o qual essas empresas ficam com as mãos livres para se irem embora, especialmente estas multinacionais», criticou. Por outro lado, acha que o fecho da fábrica de calçado vem dar razão ao PCP quando propõe a criação de uma «lista negra» das empresas que «recebem aqui e vão depois para outro lado receber mais». Para o deputado, «se houvesse uma espécie de lista negra destas multinacionais, já pensavam duas vezes. Agora, se o crime compensa, perante a passividade dos Governos, vão continuar a fazê-lo», garante, defendendo que, nestes casos, não devem poder instalar-se em mais nenhum país da União Europeia.
Luis Martins