Desalento

Escrito por Fernando Pereira

“Não são bons os momentos que vivemos, e não auguram nada de bom nos difíceis tempos que se avizinham. Vamos vivendo com as recordações de outros tempos, onde a diferença e a tolerância eram fator de progresso, de estímulo, de liberdade e de democracia participada.”

Os Monty Python não seriam admitidos na TV hoje, disse em 2008, Terry Jones, diretor e ator de um dos mais notáveis filmes do grupo, a “Vida de Brian”.
Se ainda fosse vivo, Jones iria ainda sentir hoje quão atuais são as suas palavras e, pelo caminho que as coisas estão a levar, a perenidade do que disse no fim do segundo lustro do século. Vive-se hoje num permanente estado de censura à opinião discordante do status quo prevalecente. Chafurda-se no maniqueísmo absoluto, em que ou se está com tudo o que nos fazem crer que é verdade, ou contra a outra verdade que alguns podem acreditar que seja válida, mas que aos olhos do absoluto esta última é algo de herético ou demoníaco!
Não são bons os momentos que vivemos, e não auguram nada de bom nos difíceis tempos que se avizinham. Vamos vivendo com as recordações de outros tempos, onde a diferença e a tolerância eram fator de progresso, de estímulo, de liberdade e de democracia participada.
Lord Acton é o autor da famosa frase «O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente». Infelizmente é a verdade que as situações que nos criam obrigam e que a maioria ache que a inevitabilidade das poucas opções que existem sejam sempre produto de entidades difusas, que não tem nada a ver com os que mandam, que efetivamente só não repetem a estafada frase salazarenta que, “se soubessem quanto custa governar, todos obedeciam”, e alguns que só a não dizem por pudor.
Maquiavel sintetiza de certa forma os termos com que a política e a informação com que quotidianamente vamos vivendo: «Os poderosos criam dificuldades para vender facilidades!»
Num tempo de “guerra quente” em que se vive, está-se perante uma invasão injustificada e ilegítima de um autocrata a uma Ucrânia governada por um protagonista que aparece mais vezes a teatralizar do que a apresentar propostas que ajudem a resolver uma situação em que o seu povo será sempre o único sacrificado de obscuros interesses económicos e estratégicos que os transcendem.
Não vou entrar em pormenores porque há especialistas a esmo, mas isto tudo tresanda-me a um jogo de interesses, a um realinhamento económico e a algo que não vai dar bom resultado para a maior parte dos intervenientes, nomeadamente a obesa e abúlica União Europeia. Vai olhando para o seu umbigo com um olho e com o outro para os inimigos que os EUA lhes arranjam. O problema dos americanos é tentarem um “New Deal” requentado, onde falta provavelmente um homem da dimensão do Roosevelt, provavelmente o último grande presidente de um país que é bem mais do que um continente, e que não deixa de ter aspirações de controlar o mundo.
O invasor Putin, que curiosamente tem como único partido de oposição o Partido Comunista com 20% na Duma, sabe que a Europa está de cócoras, sem um exército determinado a fazer valer a sua soberania e os seus interesses económicos, decidiu atacar de forma algo cobarde outra absurdocracia que é a Ucrânia onde o Zelensky ilegalizou 11 partidos, desde a esquerda ao centro, um dos quais o social-democrata. Talvez tenha lido Gil Vicente: «Mais vale um asno que me carregue do que um cavalo que me derrube!»
Nesta guerra de informação de um sentido só, para onde enviam jornalistas sem conhecimentos e com a cartilha posta e imposta, vai-se tentando moldar opiniões, sem tampouco saber que quando isto estiver a doer no quotidiano das pessoas já não haja resposta para a propaganda, que é muito diferente de informação.
Porque gosto de ser informado precisava de saber o que pensa e dizem os outros lados da guerra, mas isso foi-nos retirado de forma abrupta, e assim só há inimigos ou amigos, não nos dando a possibilidade de questionar se podemos nem estar de um lado ou de outro, ou mesmo em lado algum.
«Os medíocres falam de pessoas, os sofríveis comentam factos e os bons debatem ideias».

Sobre o autor

Fernando Pereira

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