O assunto já tem um tempo e já foi aflorado neste jornal, mas não é desajustado dedicar-lhe mais umas linhas. As populações de Seia, Gouveia, Fornos de Algodres, Celorico da Beira e Trancoso, só para falar neste distrito e nos concelhos que são diretamente servidos pela ferrovia, deixaram de ver passar os comboios.
A Guarda ficou confinada à linha da Beira Baixa, pois a linha da Beira Alta encerrou e só reabre em 2023, talvez lá para março, se a obra não resvalar, como é provável que aconteça num país que não é exemplar no cumprimento de prazos. O sentimento é, todavia, mais agri que doce. Se por um lado parece não haver quem se atreva a criticar a requalificação desta linha, dados os benefícios futuros que aparentemente oferecerá, por outro, quem pare para pensar não pode contentar-se com tão poucochinho consolo. Por vezes, o que parece não é. Somos Interior, somos poucos, valemos apenas alguns votos, e ponto final.
Se a intervenção programada tivesse de ocorrer na linha do Norte (Lisboa-Porto) ou na linha de Sintra ou de Cascais, era quase certo que ela decorreria no horário noturno e que a circulação se continuaria a fazer, ainda que com restrições. O seu custo económico seria obviamente muito superior, mas o custo eleitoral e de descontentamento das pessoas seria muito inferior e isso é que prevalece em governos medrosos e que agem com vistas curtas, a pensar apenas no próximo mandato. Por cá, o preço da interrupção do serviço não é audível, não é suficientemente mediatizável e nem cócegas faz ao Governo. Há uns autocarros, dizem, mas é um dia de juízo saber como e a que horas se apanham e onde se compram os bilhetes.
No site na CP (Comboios de Portugal), a informação é nula e até enigmática para quem quer viajar, por exemplo, de Gouveia até Lisboa, ao ser confrontado desde logo com o encerramento físico da estação e depois com a reprodução digital da frase “não foi encontrado nenhum resultado para a pesquisa efetuada”. Está bem de ver que esta quebra interrompe também rotinas e hábitos de circulação das pessoas, que são tentadas ou a suspender “sine die” deslocações já consolidadas nas suas vidas ou a fazê-las mais espaçadamente em transporte individual, mais poluente, muito, muito, mais caro e sempre com prejuízo acrescido para a região.
Mas há mais: Um investimento na ordem dos 500 milhões de euros vai deixar exatamente na mesma tudo o que deveria ser diferente e mais moderno e competitivo. Eliminar algumas passagens de nível, reforçar uns taludes, remodelar algumas plataformas e modernizar a sinalização pode ser útil e compreensível, mas não muda nada do que precisa ser mudado. Daqui a um ano, nalguns troços desta linha, o comboio continuará a andar à velocidade de um a vapor e ela não será opção para passageiros e mercadorias na ligação entre Portugal e a Europa. A lógica é a do “sabe a pouco” e assemelha-se à do IP3, com asfalto novo e separadores centrais renovados, mas com ineficiência e lentidão velhas. Ou seja, de mansinho e passando entre os pingos da chuva, sem sequer ser questionado por isso, o Governo parece ter abandonado definitivamente a ligação ferroviária Aveiro-Guarda-Salamanca, atirando o futuro desta nossa região ainda mais para fora do radar das grandes infraestruturas de mobilidade ferroviária ibéricas.
Se a ligação Poceirão-Caia-Madrid é uma entendível prioridade, ligando o sul do país e o porto de Sines a Espanha, há uma outra que este Governo irá privilegiar e que não passa por aqui. Pelo menos nas intenções (as concretizações são outra loiça…), a escolha é a linha de alta velocidade Lisboa-Vigo, que se desenhará ao longo do litoral do país, que servirá o porto de Leixões e que deixará o interior cada vez mais distante e mais parecido a um cemitério de memórias. Resta-nos a resiliência dos que cá vivem e investem, mas que ainda assim não chegam para inverter uma curva demográfica cada vez mais fatal para um território que, com ou sem comboios, tem cada vez menos pessoas e cada vez mais governos a assobiar para o lado.
* Advogado, ex-deputado e antigo presidente da Distrital da Guarda do PSD