Volvidos 48 anos da Revolução dos Cravos, é bom que não se deixe esfumar da memória o inestimável mérito de todos os que firmemente contribuíram para que fosse derrubado o regime do Estado Novo e se restabelecessem ao povo português as liberdades fundamentais das quais estava despojado. Regime, esse, que oprimiu num obscurantismo cruel, que condicionou sonhos, que abafou esperanças, que condenou penosamente as vidas de muitos, que ditou desfechos inesperados num processo de descolonização cravejado de incoerências e mágoas.
Vivemos tempos conturbados, ainda sob os efeitos nefastos de uma crise pandémica e com uma guerra que, a cada dia que passa, ameaça não só a Ucrânia, como o mundo. Acontecimentos como a recente intervenção do Presidente Zelensky na nossa AR é certo que orgulham o povo português e dão sinais positivos de um país que é democrático e que é maioritariamente solidário, num momento de exemplar humanidade pluralista. Momentos como este dão espaço à empatia e à união, ainda que alguns (poucos!) se reservem o direito de se manterem mumificados no tempo e sem evolução de pensamento.
Portugal, entre as suas múltiplas vulnerabilidades e longe de ser uma democracia perfeita, tem vindo a conhecer um avanço civilizacional, social e cultural, que marca uma rutura com esse passado de opressão, mas que, sobretudo, vai produzindo história no presente e vai ter de cerzir um futuro, merecedor da sua cuidada atenção. Respeitar e honrar o passado de conquistas, de crises, de discórdias, mas também de glórias, é fundamental. Partilhar e incutir, no presente, esse legado histórico com os mais jovens, deveria ser um compromisso. Todavia, importa garantir a esses mesmos jovens, que são a esperança no futuro, o acolhimento dos seus anseios e o entendimento de que são parte integrante e fulcral de um país que se quer modernizado, justo, fraterno, digno da sua confiança e também da sua ousadia, porque afinal são seres livres. Saber esboçar o rumo de um futuro mais promissor é urgente! O futuro de um país jamais poderá ser vago ou nebuloso, nutrido pelo descontentamento ou descrença.
A experiência adquirida numa nação que já tem mais anos de democracia do que de ditadura, tem de dar ânimo ao reforço da coesão territorial e da descentralização eficiente e justa, ao papel do poder local autárquico, ao investimento público estratégico, à força das empresas e das instituições, à economia e ao seu crescimento, ao combate às desigualdades e ao preponderante papel da mulher (na política, na sociedade e na economia) num contexto europeu de uma cidadania que se quer ativa. Tal experiência deve posicionar Portugal numa trajetória, que rompe com as amarras de um passado errante, e que com ele aprende, que se adapta às mudanças que fazem adequar as políticas ao tempo e às circunstâncias. É preciso ter essa capacidade de renovação e um sentido reformista das políticas e da própria organização do Estado.
Cumprir Abril é repor e evocar a cada ano uma conquista revolucionária do poder das escolhas individuais, o poder da representatividade das vontades e o poder democrático. E esse é um facto que só pode ser mobilizador de uma sociedade consciente, que se sustenta na esperança e na narrativa onírica que faz sentir o 25 de Abril como se o tivéssemos vivido naquele tempo…
* Coordenadora da Associação Territórios do Côa