Em 1991, a URSS desmoronou-se e o Bloco de Leste desfez-se. A “Guerra Fria” findava com a vitória triunfante do Bloco Ocidental. Perante o esfumar do sonho comunista, o modelo demoliberal, combinando regimes democráticos e economias de mercado, poderia expandir-se por todo o mundo. Finda a confrontação ideológica entre os dois blocos antagónicos, também o clima de tensão militar poderia, finalmente, desanuviar.
Tudo parecia apontar para a consolidação de uma nova ordem mundial, assente na segurança, na prosperidade e na cooperação internacionais. Mas o início de 2022 veio confirmar o que já há muito se suspeitava: a história não será escrita de acordo com esse guião. Há apenas um culpado pelo regresso da guerra à Europa, Vladimir Putin, mas pela escalada de tensão na Europa de Leste há responsabilidades dos dois lados da antiga (?) “Cortina de Ferro”.
Após a queda da URSS, o Ocidente, sob a liderança dos EUA, cometeu um erro crasso: continuou a olhar para a Rússia como a herdeira da União Soviética e não como um país que, tendo inaugurado um regime democrático e adotado uma economia de mercado, poderia assumir-se como um novo aliado. Parece que foi mais cómodo perpetuar a Rússia, depauperada e ferida no seu orgulho, no papel de potencial inimigo.
Nietzsche bem avisou que se olharmos demasiado tempo para o abismo, o abismo olha-nos de volta. O mesmo parece aplicar-se aos inimigos imaginários: aí temos, pois, a herdeira da extinta URSS, a olhar de volta para o Ocidente. O cenário é tudo menos animador. A Rússia transformou-se numa ameaça real para o Ocidente, sobretudo para os países europeus, colocando em causa a sua segurança e pondo à prova as suas alianças políticas e militares.
Putin nunca se deixou encantar pelo status quo pós-Guerra Fria. Nem ele, nem muitos russos e simpatizantes pró-Rússia. Aceitar a derrota do modelo comunista é uma coisa, conformar com a diminuição da importância geopolítica da Rússia na Europa de Leste é outra.
Reafirmar a Rússia enquanto superpotência militar, exercendo novamente uma influência político-económica e sociocultural sobre os países que outrora integraram o Bloco de Leste é assumidamente o grande desígnio da governação despótica de Putin. Não há, aqui, nenhuma novidade. A Rússia, independentemente do regime político vigente, exprimiu sempre um forte ímpeto expansionista e dominador em relação aos seus países vizinhos.
No que concerne à Europa de Leste, o objetivo de Putin colide frontalmente com a orientação das instituições supranacionais do Ocidente. Os alargamentos da União Europeia e a expansão da NATO, pós-1991, subtraíram vários países da Europa de Leste à influência política, económica e militar de Moscovo.
É fácil compreender o desagrado da Rússia perante esta “ocidentalização” do Leste Europeu e que Putin queira travar a adesão de mais países da Europa de Leste à União Europeia e à NATO. Com efeito, a fricção e as confrontações são inevitáveis. Resta a esperança de que o bom senso impere e os conflitos se possam resolver pela via diplomática e não pelo recurso às armas.
* Antigo presidente da Federação da Guarda do PS e ex-vereador da Câmara da Guarda