Começou esta segunda-feira, no Tribunal da Guarda, o julgamento de Júlio Sarmento, de dois ex-vereadores do PSD da Câmara de Trancoso, de um presidente de Junta e de quatro empreiteiros pelos crimes de prevaricação de titular de cargo político, participação económica em negócio e falsificação de documento.
O caso envolve factos que ocorreram entre 2008 e 2013, tendo o Ministério Público (MP) do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra, após investigação da Polícia Judiciária da Guarda – motivada por uma denúncia do executivo de Amílcar Salvador, que sucedeu a Júlio Sarmento nas autárquicas de 2013 – deduzido acusação contra o ex-presidente da Câmara de Trancoso e histórico dirigente do PSD no distrito da Guarda, os antigos vereadores sociais-democratas João Carvalho e João Rodrigues, o ex-presidente de Junta de Freguesia do Reboleiro José Nascimento, os empresários Aurélio Lopes, Francisco Lopes, Agostinho Lopes e António Baraças, bem como a empresa de obras públicas Biosfera.
Em causa estão, designadamente, «imputações de realização de obras públicas em violação de regras de execução orçamental e de procedimentos concursais, bem como o pagamento de obras por valores superiores aos reais, em prejuízo do erário público». Na acusação, o MP sustenta que Júlio Sarmento «arquitetou um plano» com os restantes arguidos para concretizar obras que não estavam contempladas no Orçamento da Câmara, que enfrentava problemas financeiros, e foram realizadas sem concursos públicos. Segundo esse «plano», as empreitadas de reparação de estradas e de saneamento básico eram contratadas pelas Juntas de Freguesia e as empresas reclamavam o pagamento à autarquia, o que Júlio Sarmento terá assumido «sem suporte legal».
Na sua investigação, a PJ terá apurado um «património incongruente» do ex-presidente da autarquia e da sua mulher face aos seus rendimentos lícitos num valor total de 498.334,04 euros e, em consequência, o MP requereu a perda a favor do Estado de bens até esse montante, incluindo cinco casas adquiridas entre 2011 e 2016 em Trancoso, na Guarda e em Vilamoura (Algarve). O MP também requereu a perda de mandato de João Carvalho – novamente vereador eleito nas últimas autárquicas – e de João Rodrigues – que já não exerce qualquer cargo público. Foi também solicitada a perda a favor do Estado de vantagem no valor de 274.549,14 euros.
Estes factos levaram o MP a acusar Júlio Sarmento de cinco crimes de prevaricação de titular de cargo político e outros cinco de falsificação de documentos qualificado. Já o ex-vereador João Rodrigues está acusado de um crime de prevaricação de titular de cargo político, em concurso aparente com um crime de participação económica em negócio e um crime de abuso de poder. João Carvalho está acusado de cinco crimes de falsificação de documentos e o ex-presidente de Junta de Freguesia do Reboleiro é acusado de um crime de prevaricação de titular de cargo político. Os quatro empreiteiros também estão acusados de diversos crimes de prevaricação de titular de cargo político e de falsificação de documentos. Uma vez que os atos constantes da acusação foram praticados no exercício de mandato autárquico, o MP requer, em caso de condenação definitiva, a perda de mandato do atual vereador João Carvalho, enquanto Júlio Sarmento e João Rodrigues, que não exercem qualquer cargo autárquico, devem ficar «sujeitos à eventual declaração de inelegibilidade em atos eleitorais».
Depoimento de João Paulo Matias em causa
A primeira sessão do julgamento ficou marcada pela inquirição de João Paulo Matias, ex-vereador, assessor jurídico do município de Trancoso e autor da participação criminal que deu origem aos autos. O advogado confirmou que as obras em causa foram feitas «sem qualquer procedimento ou deliberação camarária, nem registo de compromisso», não constando sequer do orçamento camarário. A testemunha acrescentou também que Júlio Sarmento «teve intervenção num ato em que não deveria ter» e reiterou que as empreitadas decorreram, em 2009, quando o município «já tinha atingido a capacidade máxima de endividamento e não podia contrair mais empréstimos, nem tinha receitas próprias» para as contratar, mas que haveria «vontade de fazer obra com fins eleitorais».
João Paulo Matias afirmou ainda que alguns empreiteiros terão revelado que terá sido Júlio Sarmento a sugerir-lhes que «intentassem ações contra as Juntas de Freguesia e a Câmara para que as obras fossem pagas». No entanto, só uma delas foi paga após decisão judicial, tendo o executivo eleito em 2013, liderado pelo socialista Amílcar Salvador, chegado a acordo com os empresários para o pagamento faseado dos trabalhos. Contudo, o depoimento do assessor jurídico da autarquia foi posto em causa pelo advogado de Júlio Sarmento, que requereu a nulidade das declarações de João Paulo Matias por este não ter pedido dispensa do sigilo profissional na Ordem dos Advogados. O coletivo de juízes vai avaliar se aceita ou indefere este requerimento num julgamento que continua esta quarta-feira no Tribunal da Guarda.
Luís Martins